"TUDO QUE 'NÓIS' TEM É 'NOIS'": violência e cuidado na trajetória de travestis negras
Travestis Negras; Violência Colonial; Cuidado e Afeto.
O sistema capitalista, com seu amplo aparato de manutenção, somente se consolida e se reproduz na medida em que cria, aprofunda e atualiza o racismo (QUIJANO, 2005) e o sistema colonial de gênero (LUGONES, 2014), que alicerça violências e controles. Ambos são responsáveis pela hierarquização e, por consequência, pela desumanização de sujeitos e grupos da população considerados bárbaros. Neste circuito, travestis negras são alvo prioritário da violência colonial, cuja ação historicamente lhes reserva o lugar das margens sociais e econômicas. No cenário internacional, ocupamos o posto de ser o país que mais mata travestis e transexuais no mundo; “a história de sucesso do sistema colonial” (KILOMBA, 2020, s/p) permite que o conjunto de violências contra essa população seja naturalizado. Entretanto, a resistência e a reivindicação pelo direito de viver é uma marca na trajetória dessas pessoas, por meio do cuidado entre pares como estratégia para sobrevivência. Neste sentido, este trabalho tem como objetivo geral: i) Analisar o cuidado em suas relações com o racismo e a transfobia na trajetória de travestis negras. Sendo os objetivos específicos: i) Problematizar as violências promovidas pelo capitalismo colonial contra travestis negras nordestinas e; ii) Expor o significado político e ético das redes de cuidado estabelecidas entre travestis negras. Lançando mão de uma coalização crítica estratégica, que compõe o referencial teórico, optou-se por um diálogo com o pensamento de intelectuais que se posicionam contra o sistema colonial-capitalista de gênero. Em congruência com o que denominei de coalização crítica, metodologicamente recorri à epistemologia indisciplinada contra-colonial (MATIAS, 2021) para analisar as informações obtidas em relação a quatro entrevistas com travestis negras, além da observação direta e pesquisa bibliográfica. Esta tese ratifica outros estudos ao identificar, por um lado, um conjunto de violações, que por anos se perpetuam e atravessam a jornada de travestis negras no Brasil. No entanto, delas se distancia ao identificar que há também um processo histórico fundamental de resistência à lógica da desumanização gerada por processos de cuidado e de proteção entre si.