Esta pesquisa teve como objetivo geral compreender o que os estudos do campo da educação e da educação musical revelaram sobre o Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais (ECIM) e a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) nos seus aspectos epistemológicos e metodológicos. Para tal, foram estabelecidos objetivos específicos que abarcavam a investigação das concepções adotadas no Brasil sobre o ECIM, os aspectos teóricos e metodológicos da ABP e sua implementação nos estudos brasileiros da área, bem como a discussão sobre temas predominantes, lacunas identificadas e possíveis abordagens para implementação da ABP no contexto de ECIM. Utilizando uma abordagem qualitativa, realizou-se uma pesquisa bibliográfica abrangente sobre a ABP e sua relevância na reconfiguração das práticas de ensino e aprendizagem no cenário do ECIM no Brasil. O percurso metodológico envolveu três etapas: investigação das soluções, análise explicativa das soluções, síntese integrada. A investigação das soluções incluiu a busca em anais de conferências, revistas acadêmicas e plataformas digitais especializadas, visando a coleta de informações relevantes. Na etapa de análise explicativa das soluções, os dados coletados foram organizados em categorias que atendiam aos objetivos da pesquisa, possibilitando uma avaliação crítica. Essa análise proporcionou uma compreensão mais profunda do conceito de ECIM adotado no Brasil e dos contextos nos quais a ABP tem sido aplicada no país. A síntese integrada, última etapa do estudo, explorou a viabilidade da introdução da ABP no ECIM, considerando objetivos, características do professor, tamanho dos grupos, conteúdo curricular, condução das aulas e desenvolvimento de habilidades dos alunos. As descobertas evidenciaram similaridades entre abordagens, mas também destacaram especificidades metodológicas divergentes. Por exemplo, o ECIM, por sua natureza, favorece o estudo dirigido, enquanto na ABP o professor assume o papel de facilitador do conhecimento. Essa pesquisa possibilitou uma compreensão ampliada das potenciais contribuições da ABP para reflexões sobre práticas no contexto do ECIM. Enfatizou aspectos além do conteúdo musical, incluindo dinâmicas de aprendizado e estratégias pedagógicas.Conclui-se, portanto, que a integração da ABP no ECIM pode enriquecer não apenas a aprendizagem musical coletiva, mas também promover reflexões significativas sobre a dinâmica do ensino, evidenciando possibilidades de aprimoramento das práticas pedagógicas na educação musical. Contudo, para que haja essa implementação, torna-se necessário fazer adaptações consideráveis em ambas abordagens, o que pode desconfigurar as metodologias, principalmente quando trata-se do papel do professor na sala de aula.

O presente estudo tem como principal finalidade caracterizar o processo de criação ao violão de 7 cordas na gravação ao vivo do CD Paulo Moura e Os Batutas, no Teatro Carlos Gomes no Rio de Janeiro em agosto de 1996. Para atingir tal propósito, a pesquisa toma, como objeto de referência, a descrição da execução feita nesse instrumento em três faixas selecionadas e a análise da harmonia e fraseado característico que emoldura os gêneros das peças escolhidas. A pesquisa é qualitativa de cunho interpretativista, visto que os dados reais foram coletados de forma indutiva, sem uso de ferramentas estatísticas, para posterior análise, sendo o pesquisador o agente ativo na investigação e ao mesmo tempo o agente investigado. Para dar conta do seu objetivo, a pesquisa toma como referenciais teóricos PELLEGRINI (2005) e TABORDA (1995), dentre outras publicações. O contexto que envolve o registro do álbum em foco tem papel determinante no resultado obtido e é descrito para que se fizesse uma análise de aspectos musicais e psicológicos que permearam o evento mater da pesquisa. Para tanto, foi feita uma análise comparativa-dedutiva, considerando-se outras gravações, quando possível e quando a importância de outros registros justificava tal procedimento. Os resultados obtidos consideram esses aspectos e ressaltam que as conclusões representam um olhar pessoal do pesquisador quando escrevia o trabalho, levando em conta que música é algo que vai além da experiência com som e suas características de timbre, altura, duração e intensidade. Ela resulta de uma ação interativa entre instrumentistas, repertório, público e contexto da apresentação. Em cada obra focalizada, um elemento se destacou. Na valsa “Rosa”, destacaram-se as rearmonizações; no choro “Ingênuo”, inovações no fraseado; e no samba “Pelo Telefone”, maiores possibilidades rítmicas.

As violas de samba do Recôncavo Baiano não são apenas objetos produtores de sons. Elas podem carregar em sua própria materialidade traços afetivos, simbólicos, sagrados, históricos construtivos que fazem parte da identidade cultural de sambadores e sambadeiras de sambas de roda praticados no norte do Recôncavo. Não só os instrumentos em si, mas também objetos utilizados em suas construções podem ser encarados como materiais significativos que constituem parte do patrimônio musical brasileiro. A partir de discussões sobre tecnologias construtivas, aspectos biográficos de construtores, terminologias locais de instrumentos e de partes que os compõem, e valorização de acervos que contem entre seus itens violas de samba e objetos associados, busquei elaborar uma narrativa organológica que tivesse como fio condutor as construções de violas de samba, seus construtores e os contextos sociais e culturais onde essas práticas artesanais se desenvolveram. Através de análises de dados verbais, visuais, documentais recolhidos ao longo da pesquisa, bem como estudos metodologicamente organizados em violas com histórias reconhecidamente ligadas a sambas de roda em dois acervos, Acervo Histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga e Acervo do Espaço Cultural Essa Viola Dá Samba!, foi possível interpretar que as violas de samba podem apresentar tamanhos, ornamentos, tecnologias construtivas particulares que dialogam com as trajetórias dos principais construtores estudados. Além disso, as violas de samba, em especial as violas machete, têm ganhado visibilidade nos últimos anos, sobretudo, após a inclusão da revitalização da construção artesanal de violas de samba no plano de salvaguarda previsto como uma das ações do processo de patrimonialização do samba de roda do Recôncavo Baiano. Diversos projetos culturais previram em suas atividades a retomada dessa prática artesanal, e esse longo processo tem culminado em construções recentes de violas de samba. Neste contexto, a presente pesquisa buscou entender qual o grau de participação e atuação de sambadeiras, sambadores, violeiros e construtores nesse longo processo que dura há cerca de vinte anos. A investigação procurou contribuir com o processo de retomada da construção artesanal de violas de samba condensando boa parte da bibliografia sobre o assunto e informações que possam ser adicionadas aos debates sobre como tem se dado a retomada desta prática artesanal.

Esta dissertação versa sobre o funcionamento e função das orquestras itinerantes de frevo que se sediavam no Pátio de São Pedro, utilizando-o como ponto de encontro, entre outras coisas, no recorte temporal de 1990 à 2020. O referido local que abriga a Casa do Carnaval, constitui-se como um espaço relevante para os maestros e músicos desses grupos que atuavam e atuam no carnaval da cidade do Recife. Tais orquestras são responsáveis por uma grande parcela dos arrastões ou cortejos carnavalescos que ocorrem nas ruas e todo este contexto sonoro e artístico foi contemplado, sendo o objetivo geral, compreender o papel das orquestras itinerantes de frevo de rua do Pátio de São Pedro, no período carnavalesco recifense. São apresentados dados históricos sobre o frevo e sobre o Pátio de São Pedro, mas o cerne do texto trata das orquestras de frevo itinerantes de forma geral, onde é apresentada a hierarquia dentro e entre essas orquestras, tendo em vista o surgimento das orquestras de frevo de teatro. Com base nestes conteúdos é feita uma reflexão etnomusicológica sobre as orquestras itinerantes na contemporaneidade e a importância do Pátio de São Pedro para o carnaval do Recife, sendo também priorizada a construção sonora resultante dessas orquestras. De modo geral a dissertação combina um viés histórico com reflexões à luz de conceitos etnomusicológicos e sociais. A pesquisa foi feita em caráter qualitativo, e em parte de modo etnográfico, como num tipo de auto etnografia, pois minhas experiências em orquestras itinerantes no Pátio de São Pedro também foram relatadas nos depoimentos da experiência musical, e também através da pesquisa documental dirigida,
considerando idas aos museus e arquivos públicos.

Partindo da música utilizada durante o estabelecimento do protestantismo no Brasil e considerando, nesse primeiro momento, os hinos trazidos pelos missionários, sendo esses por aqui “sacralizados” como modelos litúrgicos da música protestante, procura-se entender, mediante essa análise, a relação entre fé protestante a partir da inserção de ritmos brasileiros na música desse segmento religioso como propostas de renovação em relação aos hinos tradicionais. Nesse processo, a partir da década de 1960 alguns ritmos brasileiros como a Bossa Nova, Samba, Baião entre outros, foram assimilados como possibilidade de expressão religiosa. Focalizar-se-á, contudo, no trabalho produzido pela Banda Sal da Terra, em que se busca compreender os processos identitários reivindicados por esses músicos no que diz respeito a utilização do forró como veículo catalisador e transmissor da religiosidade protestante no sertão pernambucano. Tal relação, em alguns aspectos, nos parece conflitante se considerarmos que o forró e seus subgêneros, como também o legado deixado por Luiz Gonzaga e seus parceiros, estão intimamente ligados à dança, um elemento ignorado na proposta da banda, mas ao mesmo tempo estimulado pelas características rítmicas dançantes próprias do forró e de seus subgêneros. Os dados foram obtidos através de entrevistas semiestruturadas, nos textos das canções produzidas pela banda, em observações não participativas in loco nas apresentações do grupo em igrejas e eventos evangélicos, e em leituras referenciadas dentro da temática. Algumas teorias relacionadas aos estudos culturais que tratam sobre os descentramentos dos sujeitos e das instituições sociais na modernidade (HALL, 2006) e estudos sobre processos socioculturais de hibridação (CANCLINI, 2001) serviram de base para as análises; bem como os estudos na área de sociologia que discutem os processos de construção da identidade e memória como um fenômeno social (POLLAK, 1992), Halbwachs (1990) também foram utilizados. Como resultado da aproximação entre fé e forró, o indivíduo busca novos significados a partir de sua
identidade anterior à conversão ao protestantismo, procurando adaptá-la à nova fé com sua “antiga” vivência cultural.

Na cidade de São Caetano de Odivelas, na microrregião do Salgado paraense, dançam os Boi de Máscaras no período da quadra junina. Uma brincadeira de Boi com seus próprios termos, tendo sua história relacionada com as dinâmicas sociais de uma comunidade pesqueira, localizada às margens do rio Mojuim. Os Bois de Máscaras atualizam-se anualmente. Seus grupos, com mais de oito décadas exibem-se com vigor, ao mesmo tempo em que novos grupos surgem. Com repertório musical próprio, extenso e diverso, as orquestras de Boi entoam sambas e marchas (marchinhas), enquanto o Boi e os personagens que lhe acompanham dançam pelas ruas. Em constante expansão, os compositores odivelenses criam novas músicas a cada safra junina. Essas músicas são elementos importantes para a identificação dos grupos. Na busca para compreender como se dão os processos de mudança e permanência musical nos Bois de Máscaras, este trabalho concentrou-se no repertório do Boi Faceiro. Este que surgiu em 1937, teve um hiato de mais de cinquenta anos e foi resgatado em 1998. O repertório do Faceiro é gerado a partir das composições de Mestre Benedito Aquino (Bené Careta), Wanelson Aviz, Raimundo Nonato e Nildo Zeferino. Compreende-se música como um dos subsistemas da cultura (CHADA, 2006). Estando ela profundamente relacionada com o contexto sociocultural na qual é produzida, buscou-se identificar como os conteúdos musicais foram elaborados na criação das músicas, considerando os aspectos do som e os elementos extramusicais, afim de identificar a “unidade do pensamento musical” (NETTL, 2008), o conteúdo (MERRIAM, 1964), para então tentar compreender como as mudanças foram e são acomodadas. Além das transcrições e análises musicais, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e registros sonoros a partir do trabalho de campo etnográfico, que aconteceu desde 2018. Sendo possível constatar que contexto sociocultural de São Caetano de Odivelas é definidor desse fazer musical. Sendo o cruzar dos “mundos musicais” das centenárias bandas de música – Rodrigues dos Santos e Milicia Odivelense – primordial para a sustentação das orquestras de Boi, que se expandiram a partir do fomente das escolas de música dessas bandas. A expansão das orquestras e consequente aumento do volume sonoro contribuiu para a não execução das letras das composições, atualmente sendo tocadas apenas de formar instrumental. O Boi Faceiro, ao propor um grupo musical fixo – a Orquestra Show – possibilita interação cotidiana através dos ensaios e das performances, o que torna possível a execução de breaks planejados – as paradinhas – uma marca desse repertório. Com experimentações instrumentais e utilização de fragmentos musicais de outras composições – “música incidental” –, tem-se a inovação como uma premissa desse Boi. Que manipula os recursos harmônicos e estruturais à maneira de cada compositor, a partir da unidade do pensamento musical, exibindo uma cultura estável, mas não estática.

A presente pesquisa investiga a trajetória musical da banda paulista de thrash metal Nervosa, formada integralmente por mulheres, constituinte de um gênero musical excessivamente masculino, evidenciando os espaços de disputa e protagonismo feminino evidenciando as negociações no campo social, musical, estético, técnico e de elementos de performance, que carregam o grupo a ocupar uma posição de destaque nesta cena, seja pela presença na programação dos principais festivais de heavy metal no mundo, no contrato com gravadoras, espaço na mídia e impacto na formação de outras bandas formadas por mulheres. Em busca de contribuir para o aumento do repertório de referências de pessoas, músicas, discos e eventos na história do heavy metal em um esforço de diminuir seu androcentrismo

A presente dissertação apresenta os resultados do projeto de pesquisa “Caminho do samba: o samba pernambucano como instrumento da educação musical escolar da rede básica de ensino”, que teve por objetivo o de investigar as contribuições trazidas pela cartilha “Samba de PE - Caminho do Samba” para o processo de ensino aprendizagem musical de adolescentes no contexto da escola básica. Tendo por base as discussões sobre musicalização e escola básica Penna (1990; 2002), ensino da música, juventude e escola básica (Arroyo, 2013); ensino da música, escola básica e cultura local (Souza, 2020; Queiroz, 2013). A pesquisa teve por caminho metodológico a pesquisa-ação, desenvolvida durante o ano de 2022 em uma turma de adolescentes, do nono ano de uma escola pública do ensino fundamental do município de Jaboatão dos Guararapes (PE). Tendo por resultado, a percepção de que o trabalho com a cartilha permitiu diferentes possibilidades de ensino-aprendizagem musical na escola básica, com uma aprendizagem colaborativa entre pares, valorização do saber dos alunos e alunas e o diálogo com os fazedores de samba de Pernambuco.

Este trabalho investiga as músicas, videoclipes e performances das cantoras Luana Flores e Jéssica Caitano, buscando compreender quais discursos de regionalidade nordestina são construídos por elas, em que medida e de que maneiras eles reiteram os discursos consolidados na história sobre a região ou os ressignificam. Compreendendo o tema da regionalidade no contexto da música alternativa brasileira, em que discursos e elementos de pertencimento local são manipulados em meio à música eletrônica transnacional e a gêneros contemporâneos como o rap, também se analisa qual o valor conferido por um mercado midstream (aqui representado por festivais alternativos, principalmente) ao tipo de sonoridade feito por tais artistas. Para essa tarefa contribuíram, além de uma observação direta da programação dos festivais, entrevistas com realizadores, curadores e outros agentes do mercado musical brasileiro. Por fim, o tema das hibridações sonoras também é objeto de aprofundamento, com vistas a entender como os elementos musicais local e global se misturam nas músicas das duas artistas, de quais formas estes elementos aparecem reconfigurados nas sonoridades híbridas e como ferramentas da música transnacional podem ser utilizados por músicos e produtores musicais para produzir localidade.

Aliado à crescente produção científica do campo da educação musical dos últimos anos, os estudos e pesquisas sobre a disciplina Percepção Musical têm se destacado. A disciplina Percepção Musical é uma disciplina bastante presente nos cursos de graduação e formação inicial em Música no Brasil, bem como em outras modalidades de cursos de Música, sendo ela considerada uma disciplina base na formação de músicos. Entende-se também que, ao se pensar na formação docente do professor de música, que cumpre as dimensões dessa disciplina em sua formação, é necessário ter um olhar para o professor de música como um agente que possui representações sociais construídas ao longo de sua formação musical e pessoal. . Partindo desta perspectiva, a presente pesquisa teve como objetivo analisar o lugar da disciplina Percepção Musical nas estratégias mobilizadas por professores de música do ensino básico de Petrolina e Juazeiro, relacionando-as com suas trajetórias sociais e formativas. Os resultados da pesquisa apontaram que esses lugares representativos são multiformes, frutos de tensões, alegrias, descobertas e transformações sofridas por esses professores ao longo de suas trajetórias. As estratégias de ensino mobilizadas por eles acabam por refletir contornos diversos a respeito da percepção musical tais como: a ênfase e importância da leitura de partituras, a ênfase em uma escuta musical mais ativa ou a ampliação de possibilidades sonoras. Tendo em vista a escassez de estudos dedicados a esse nível de ensino, essa pesquisa contribui para aprofundar o debate sobre a disciplina Percepção Musical no contexto da educação básica e das socializações da formação docente.

Esta dissertação parte da consideração da existência de uma “identidade pernambucana” (ou noção de “pernambucanidade”) que carrega consigo elementos situados no âmbito da dialética entre identidades nacional/regional, estas outrora associadas a perspectivas de desenvolvimentismo econômico nacional e regional que estiveram presentes no contexto de consolidação do Estado nacional brasileiro entre os anos 1930 e 1980, dada a posição que ocupava o Nordeste (sendo Pernambuco forte referência cultural nordestina) frente ao desenvolvimento econômico e constituição de uma identidade nacional que privilegiava fatores culturais e econômicos localizados no centro-Sul. Atravessando as décadas, a ideia em torno de uma “pernambucanidade” aparece presente no imaginário e cotidiano dos trabalhadores pernambucanos na atualidade, bastante utilizada em diversos aspectos de produção e reprodução culturais e que tem na música uma de suas principais expressões. Construção identitária que é contemporânea, mas remete à difusão de uma perspectiva regionalista que também remonta a décadas passadas, originariamente estruturada e consolidada nos anos 1920 com o Manifesto Regionalista. Desde então um certo “regionalismo pernambucano” atravessa o período nacional-desenvolvimentista brasileiro entre as décadas de 1950 e 1980, período de atuação da Fábrica de Discos Rozenblit, que no citado período tornou-se a principal organização do ramo de produção fonográfica do Norte/Nordeste com atuação fortemente atravessada pelas questões do desenvolvimentismo e da produção cultural nacional e regional. Situando esses aspectos, buscamos analisar a contribuição da Rozenblit, particularmente através do selo Mocambo, para o fomento de manifestações musicais que hoje envolvem a perspectiva regionalista de “pernambucanidade” e suas mediações com os aspectos sócio-históricos, culturais e político-econômicos mais amplos. Os procedimentos metodológicos adotados foram pesquisa bibliográfica de livros, artigos, teses e dissertações acerca dos conceitos de identidade nacional/regional, o nacional-desenvolvimentismo etc., além de análise documental que envolve o catálogo da produção do selo Mocambo, em especial as séries de LPs 10.000 e 40.000, além da análise documental de jornais. Como resultados, apontamos que a Fábrica Rozenblit, através do Selo Mocambo, contribuiu qualitativamente para a gravação e catalogação de diversos artistas, grupos e gêneros musicais que reforçam o imaginário que hoje constituem sentidos simbólicos e materiais em torno da “pernambucanidade”, tais como frevo, maracatu, coco de roda, afoxés, xotes, quadrilhas, marchas de carnaval, etc. Expressões musicais que ao longo das décadas sedimentaram-se como base para o que hoje veicula-se como identidade pernambucana, destaques em festas populares como Carnaval e São João, mas que estão presentes para além destes ciclos na mídia e no cotidiano de trabalhadores, comunidades, agremiações e brinquedos populares. Tendo sido indústria fonográfica de referência nacional, a Rozenblit serviu de aporte tecnológico para que muitos desses gêneros pudessem ser gravados e assim reproduzidos constantemente nas rádios e vitrolas/radiolas dos trabalhadores, servindo inclusive como catálogo para que na atualidade possamos melhor pesquisar as referências musicais que atravessaram seu contexto histórico, social e econômico. Na contramão do que boa parte da bibliografia dedicada ao assunto tem colocado, que busca situar a produção do selo Mocambo - e muitas vezes da Rozenblit como um todo - como estritamente regionalista, a análise documental revelou que a produção do selo Mocambo está alinhada aos valores do nacional-popular da década de 1960, com uma produção musical recheada de sambas, bossas, boleros; revelando assim uma contribuição, se é que assim podemos dizer, que buscou incluir nessa perspectiva nacional-popular, os clássicos ritmos pernambucanos e nordestinos.

O presente trabalho busca apresentar e discutir o processo de construção da música litúrgica na Arquidiocese de Olinda e Recife entre as décadas de 1960 e 1970. Estando o recorte temporal proposto já inserido na realidade pósconciliar, buscamos compreender sobre que parâmetros se deu a interpretação e aplicação das medidas conciliares, que alteraram o diálogo entre a igreja e a sociedade, e influenciaram na composição de música para a liturgia católica. Olhando para o Nordeste, vemos a busca pela criação de uma música litúrgica nordestina, influenciada pela proposta de adaptação à índole e cultura dos povos, conforme trazido pela Constituição Conciliar Sacrossanctum Concilium, e aplicada pelos compositores “inovadores” e “conservadores”, apesar das particularidades com que cada um, influenciado pelos fluxos socioculturais da igreja e da sociedade, aplicou essas novas diretrizes ao seu trabalho. A partir de revisão bibliográfica e documental, buscamos analisar a relação entre música litúrgica e sociedade enquanto lugar de conflito; reconhecer e contextualizar os fluxos influenciadores da música litúrgica no recorte temporal proposto; discutir, a partir da produção e percepção da época, a construção da música litúrgica “nordestina”; à luz dos principais compositores – história e produção, buscar elementos musicais e textuais que contribuam na discussão do tema proposto. Todos esses aspectos buscam trazer luz à relação entre música, cultura e sociedade, contribuindo para o aprofundamento das discussões da chamada “Etnomusicologia do Cristianismo” a partir do contexto Brasileiro.

O estudo apresentado aqui, buscou analisar o processo de transmissão de saberes musicais relacionados à guitarra no contexto da plataforma online de ensino de música Fica a Dica Premium pela perspectiva dos alunos e moderadores. Tendo em vista este objetivo geral, delineou os seguintes objetivos específicos: Compreender como são articuladas as estratégias, metodologias, técnicas e práticas de ensino-aprendizagem na Plataforma Fica a Dica Premium; Analisar como são abordados os conteúdos relacionados ao domínio do instrumento no curso Escalas; Investigar as experiências musicais vividas pelos alunos guitarristas e moderadores participantes da plataforma; Analisar o que dizem os membros guitarristas e moderadores sobre ações de conhecimento, aprendizagem e ensino na Plataforma Fica a Dica Premium. O campo empírico em que a pesquisa se contextualizou foi a plataforma “Fica a Dica Premium” dirigida e coordenada pelo professor de guitarra Nelson Faria. A plataforma permite que estudantes amadores e profissionais de guitarra aprendam por meio de aulas disponíveis sobre diversos temas relacionado ao universo musical. Além disso, para os membros, é ofertado uma comunidade no Telegram para estarem informados sobre os conteúdos postados na plataforma, se relacionar com o professor e com os demais membros e articular atividades diversas. Para viabilizar a pesquisa, a metodologia empregada foi a netnografia, estruturada por Robert Kozinets (2014). Como métodos de investigação foram utilizados a observação participante, entrevistas semiestruturadas com dois moderadores e três membros da plataforma, questionário e diário de campo. Para a análise dos dados, o referencial teórico utilizado advém de teorias da etnomusicologia, educação musical e conceitos relacionados a cultura digital/participativa: A transmissão de saberes musicais, a aprendizagem informal da música e a cultura digital/participativa entram em diálogo como referencial teórico para análise os dados. Os resultados demonstraram que os membros do FaDP estão imersos em práticas musicais vivenciadas em uma comunidade virtual estruturada a partir de abordagens pedagógicas que tem a aprendizagem informal como uma das perspectivas (mas não a única), construindo e sendo construída no âmbito da cultura digital/participativa. Além disso as identidades dos membros, consequentemente, suas interações se vinculam ao conjunto de significados que circundam a Bossa Nova, estilo musical predominante na plataforma, e a trajetória de vida do professor de guitarra Nelson Faria na música popular brasileira.

A intuição costuma estar presente nas interações entre seres humanos e artefatos tecnológicos, tal como nas ocasiões em que manuseamos novos equipamentos eletrônicos sem lermos os manuais dos fabricantes. Nos espaços onde se produz música para mídias digitais, a profusão de novas tecnologias e artefatos digitais eleva a importância da intuitividade, em profissionais experientes, como uma verdadeira habilidade que lhes permite extrair novas informações a partir de suas memórias e do estabelecimento de conexões e associações ontológicas. Mas, e se desde o inicio de sua formação profissional, o estudante perceber essa possibilidade de se fazer analogias e conexões ontológicas entre os diversos objetos digitais, como isso afetará a sua intuitividade? O objetivo geral deste estudo foi, assim, analisar a percepção de intuição em estudantes do curso de Licenciatura em Música da UFPE que utilizaram algum software do tipo Digital Audio Workstation (DAW) pela primeira vez, e como o conhecimento de ontologias pode afetar essa percepção. A pesquisa teve como objetivos específicos: 1) Compreender como é, para um grupo de seis estudantes que já tenham concluído as disciplinas MU945 - Tecnologia Aplicada à Educação Musical e/ou MU679 - Técnica de Gravação, realizar uma tarefa de mixagem simples em algum software que eles jamais utilizaram antes; 2) Comparar as percepções dos participantes que realizaram a tarefa antes de assistirem a um vídeo introdutório sobre ontologias, produzido pelo pesquisador, com as percepções dos participantes que realizaram a tarefa depois de assistir ao mesmo vídeo; e 3) Descrever as estruturas emergentes das experiências relatadas que permitam explicar e interpretar eventuais relações entre ontologias e intuitividade, no contexto do estudo. A pesquisa, de abordagem qualitativa e aporte teórico-metodológico baseado na fenomenologia, obteve seus dados empíricos a partir de entrevistas semi-estruturadas e análise dos fonogramas produzidos. A interpretação dos dados revela a intuição, no contexto do uso de artefatos tecnológicos, como um saber probabilístico. Sua operação se configura pelo encadeamento de três eventos. No primeiro, o sujeito se depara com uma realidade imediatamente desconhecida e se ocupa em identificar as imagens e os objetos dessa realidade. No segundo evento, o sujeito vasculha a própria memória à procura de imagens semelhantes àquelas apresentadas pela realidade imediata, a fim de encontrar ligações, fazer correlações e estabelecer conexões entre elas. O terceiro evento é o teste lógico, que quando verdadeiro encerra a ação e quando falso, desencadeia uma iteração, testando outras possibilidades imagéticas. A prática de pensar o mundo e os objetos por suas relações ontológicas pode auxiliar na produção dessas imagens. O estudo nos permite pensar no desenvolvimento de uma intuitividade na formação inicial de professores de música.

O trabalho, que aqui apresentamos, teve por objetivo, compreender a inserção ocupacional sdos egressos do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que concluíram o curso entre 2010 e 2015. A pesquisa tomou por base as experiências musicais vividas pelos egressos ao longo das suas trajetórias acadêmicas, bem como aquelas que ocorreram antes do ingresso na Universidade. Para tanto, buscamos identificar os elementos mediadores, que permitiram aos mesmos, acumularem recursos sociais e culturais fundamentais para se inserirem profissionalmente no mercado de trabalho. Para isso, foi realizado um conjunto de 12 entrevistas que buscou reconstituir os espaços de socialização que foram significativos para o acúmulo de propriedades sociais e culturais na trajetória deles. A análise do material empírico apoiou-se na teoria dos sociólogos Claude Dubar e Pierre Bourdieu, além de outros estudos que tiveram por base seus aportes teórico-metodológicos. Os resultados encontrados a respeito do passado musical desses egressos, possuem uma associação com a convivência com a música no ambiente familiar, a iniciação musical ainda na infância, o acesso a equipamentos de reprodução fonográfica, a participação em grupos musicais, entre outros fatores, que foram decisivos para compreender suas escolhas relacionadas à decisão em cursarem a Licenciatura em Música. Além desses fatores, as socializações realizadas pelos ex alunos no decorrer do curso são também responsáveis pelas escolhas, que os conduziram em suas inserções sócio profissionais. Portanto, a pesquisa nos mostra que a inserção dos egressos do curso não depende exclusivamente dos investimentos educacionais feitos ao longo do curso de Licenciatura em Música, mas das apostas que foram realizadas antes do ingresso na Universidade, bem como aquelas feitas no decorrer do curso e após a sua conclusão. Os resultados da pesquisa apontam ainda que as possibilidades que existem em termos de inserção ocupacional para aqueles que concluíram a Licenciatura em Música na Universidade Federal de Pernambuco são bem amplas. Elas permeiam o campo da docência, da performance, da produção, entre outros. Eles atuam como professores em escolas específicas, escolas de Educação Básica, ONG’s e projetos diversos. Também como instrumentistas e cantores nos mais diversos tipos de grupos musicais como orquestras, bandas e coros. Além de atuarem produzindo shows, fazendo arranjos, realizando gravações e elaborando projetos. Com isso percebemos o quanto é amplo o campo de atuação musical em Recife.

Este trabalho busca compreender a referência de sucesso na atuação do maestro e missionário norte-americano Fred Spann na memória coletiva do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e seu Coro Sinfônico. Que aspectos histórico-político-sociais marcam sua passagem pela instituição, contribuindo para seu estabelecimento. Como essas marcas ainda afetam seus sucessores, decorridos mais de 25 anos de sua ausência, ao lhe conferir um poder quase mítico. Em uma abordagem etnográfica, a observação participante atuou combinando entrevistas semiestruturadas e narrativas, a fim de perceber dados ocultos nos discursos a partir da livre expressão dos entrevistados e suas memórias, delimitando a análise ao período de atuação do maestro no Seminário até o final da década de 1980, quando preparava seu sucessor. Também foram analisados arquivos escritos e gravados, publicados pela instituição e fornecidos pelo autor, o que nos auxiliou a refletir sobre a construção de uma identidade coletiva e institucional. Os capítulos discorrem sobre o estabelecimento dos missionários protestantes do Sul dos Estados Unidos no Brasil, seu discurso anticatólico com argumento progressista apesar de moralista, e a corrida por influência política, que se estendeu através do desenvolvimento da denominação batista no país. As estratégias de visibilidade através da música e da mídia, assim como o destaque à autoridade representada pelas figuras do homem branco estrangeiro, pastor e maestro, encerravam em Fred a imagem perfeita do mito que precisava ser eternizado. Nosso campo de estudo se depara com um entrelaçamento de cenários e facetas já bem discutidos por teóricos da sociologia e filosofia, que são retomados num diálogo com os estudos de performance de Diana Taylor. Sua visão direcionada para a América Latina nos auxilia a estruturar roteiros que reiteram historicamente a manutenção do poder, e são encontrados nos discursos sobre nosso objeto, como parte integrante de um complexo de intenções.

Este trabalho é fruto de uma vivência com o Cavalo Marinho Estrelas do Amanhã e o Cavalo Marinho Estrela Brilhante da cidade de Condado-PE, ambos mestrados pela Mestra Nice Teles, filha do Mestre Antônio Teles que continua o seu legado dentro dessa brincadeira popular. Ela se caracteriza principalmente por ser frenética e ter em alguns momentos uma longa duração chegando a oito horas de execução, através do que alguns autorxs chamam de teatro popular de rua, e que para os interlocutorxs dos grupos tem um significado muitas vezes familiar. Acontece geralmente nos períodos noturnos durante o segundo semestre do ano, se concentrando principalmente durante o ciclo natalino. Essa vivência foi planejada e executada através da Investigação Ação Participativa (IAP), a vertente desenvolvida principalmente pela sociologia sentipensante de Orlando Fals Borda, autor, pesquisador e gestor público colombiano. Se trata de uma epistemologia que se encaixou aqui as teorias sociais dos Estudos Culturais Britânicos, principalmente na figura de Stuart Hall, e também a sociologia latinoamericana de Néstor García Canclini, para tratar da realidade contemporânea de expressões culturais como o Cavalo Marinho aqui explicitado. Os objetivos giraram em torno da transmissão de saberes entre os grupos da Mestra Nice Teles, tentando descrever e debater sobre esse ponto importante para a salvaguarda e manutenção dos grupos e sua expressão da brincadeira. Pode-se notar a construção de possibilidades para que jovens e crianças tenham acesso aos saberes do Cavalo Marinho e avançar com eles também como parte importante de suas vidas e de seus significados sociais, abrindo portas e possibilidade, num contexto onde avançam as tecnologias de comunicação digital e as políticas públicas culturais ainda desiguais.
 

Esse trabalho objetiva investigar a geopolítica do ensino de música no Peru, a partir da análise dos currículos das escolas superiores de música, focalizando-se no Conservatorio Nacional de Música (CNM) e na Escuela de Música de la Facultad de Artes Escénicas de la PUC-Perú. O aumento do ensino da música ocidental se fortalece frente à música andina tradicional, e esta última não está presente nas instituições de ensino superior. Sua ausência faz com que o ensino e a prática de música se concentrem especificamente nos processos de ensino e aprendizagem da música ocidental, que se sobrepõe à música andina, minimizando seu valor social, cultural e educacional. Para analisar a ausência da música andina, se faz uma análise documental dos currículos da educação superior relacionados à formação profissional musical, já que se considera que essa não-presença da cultura musical andina está relacionada à geopolítica do ensino de música, sendo desvalorizada pelo mesmo processo colonizador que reproduz e naturaliza o sistema ocidentalista dominador sobre a cultura andina.

Esta pesquisa analisa a música e a circulação musical na cidade de Cataguases, interior do estado de Minas Gerais, ao longo da década de 1920. O objetivo é compreender em que medida a produção musical na cidade neste período: i) estaria circunscrita no processo de intensas transformações sociais e alternância de elites políticas e econômicas locais e ii) como as elites intelectuais percebiam, registravam e atuavam ativamente na construção das dinâmicas musicais e na produção vida pública. Para tanto, foi realizada pesquisa documental em um arquivo particular de um residente na cidade a fim de acessar o jornal local do período o Cataguazes. As noticias, reportagens e artigos de opinião manejados ajudaram a trazer para o primeiro plano a participação ativa da música e de músicos na construção da vida pública e dos círculos intelectuais. Por meio dessas evidências é possível observar o papel das elites econômicas, cafeeira e depois industrial, na promoção das tradicionais bandas de música de origem civil e militar, caracterizando-as como agentes ativos no cenário oficial e solene da cidade. Partindo do contexto de construção republicana das instituições no interior, o debate se volta para as noções de progresso que emergem na cidade e como o cinema, importante manifestação da modernidade, interage com a produção musical cataguasense. Considera-se também nos nexos existentes, mas pouco discutidos, entre o aclamado modernismo literário da cidade e a música. Enfatiza-se a difusão, produção e consumo do jazz, bem como a organização de uma jazz band local, bastante atrelada aos modernistas ou futuristas. O argumento que guia a pesquisa aposta na convivência e nas trocas entre músicos, saberes, partituras e arranjos que circulavam para suprir demandas civis, religiosas e de lazer: domínios fundantes da vida pública.