BENS DIGITAIS: TRANSMISSIBILIDADE E ACESSIBILIDADE APÓS A MORTE DO TITULAR
patrimônio digital; herança digital; bens digitais; direitos reais; posse.
O movimento de revisão e atualização do Código Civil traz a noção jurídica de patrimônio digital, que se pretende transmitir mortis causa por meio do que se convencionou denominar de herança digital. Nesse cenário, o presente trabalho tem por finalidade verificar se bens digitais podem ser imputados no patrimônio de alguém (como direitos reais, posse ou direitos pessoais) e, consequentemente, se podem ser transmitidos como herança digital ou legado digital a herdeiros e legatários. Como metodologia de pesquisa, utilizou-se do método de abordagem hipotético-dedutivo e das técnicas de pesquisa bibliográfica, de julgados e de legislação. Também foi utilizada a abordagem empírica, imprimindo-se a experiência própria do pesquisador, na qualidade de observador-participante. Com esse instrumental, foi possível chegar ao entendimento de que a forma de aproveitamento das coisas difere da forma de aproveitamento das não-coisas (como os bens digitais ou as ideias). As relações jurídicas em meio virtual não são completamente homólogas às relações jurídicas em meio físico, não sendo, pois, concebível a apropriação de não-coisas tal como as coisas são apropriadas. O modelo proprietário e o possessório destinados às coisas não deveriam ser, com rigor técnico, destinados às não-coisas, porque foram pensados e alinhavados sob uma lógica completamente diferente: a da corporeidade. Grande parte dos bens digitais são providos por empresas prestadoras de serviços digitais, no modelo cliente-servidor, e somente estarão disponíveis e acessíveis aos consumidores equanto o serviço se mantiver online e funcional. Conclui-se que tais bens digitais, despojados de materialidade, não deveriam ser transmissíveis via herança digital ou legado digital. Ao revés, deveria prevalecer o modelo de licenciamento, sem se descurar da tutela consumerista e da tutela do acesso. O privilégio de exclusividade, sendo uma questão de oponibilidade, pode ser conferido a terceiros por meio de negócio jurídico obrigacional, para que explorem economicamente determinados bens digitais do titular falecido, sem que se faça necessário promover alterações no setor dogmático do Direito das Coisas, a fim de viabilizar a propriedade e a posse de bens imateriais.