DIVINA E DIABÓLICA, A DAMA QUE ESPELHA A BRUXA: origens e representações da personagem feminina medieval franco-bretã e seus resíduos no romance As Pelejas de Ojuara
Literatura; Literatura Medieval; Matéria da Bretanha; Personagem feminina; Imaginário Coletivo.
Quando pensamos em literatura, sempre nos indagamos sobre seu poder influenciador nos diversos âmbitos sociais, muito além do hábito de leitura. Como meio de comunicação e propagação de ideias, as obras literárias são uma via de mão dupla, agindo na sociedade e sendo por ela inspirada. Ao voltarmos nosso olhar especificamente para a literatura medieval, percebemos que apesar de mais de 500 anos nos separarem dela, seu tópos ainda continua bastante presente na sociedade atual através do imaginário de cavaleiros, damas, amores proibidos e heroísmo. Diante dessa necessidade humana de fantasiar o real, nossa pesquisa busca compreender o quanto os textos medievais franco-bretões contribuíram para a cristalização negativa das personagens femininas, transformando-as na origem do sofrimento masculino e posteriormente de toda a comunidade como feiticeiras, surgindo nossa problemática sobre o que explicaria a decadência progressiva e efetiva dessas heroínas [e consequentemente da mulher] e em qual medida essa aversão pela figura da bruxa é uma expressão do movimento reverso à emancipação feminina na Idade Média? Outrossim, é possível que essas representações negativas, por sua vez, influenciem a literatura e a cultura de países colonizados pelos europeus? De fato, se o leitor se relaciona subjetivamente com a narrativa, ele a receberá à sua maneira, modificando-a a partir do seu Vivido, podendo estereotipar personagens e ações, utilizando-os como exemplos positivos ou negativos em seu referencial de mundo. Cristalizadas, as damas medievais e suas variações transcendem o literário e adentram na memória coletiva dos povos, tendo seus ecos residuais eternizados em narrativas populares e contos folclóricos. Através da revisão histórica de historiadores como Georges Duby, Silvia Federici, Jacques Le Goff, Claude Lecouteux, Laurence Harf-Lancner, entre outros, somados às teorias de Paul Ricoeur sobre a simbólica da mancha na construção da figura feminina e Jean Delumeau sobre a pedagogia do medo, postulamos que a verossimilhança da literatura medieval com o imaginário da época, possibilita um estreitamento do ficcional com o real, ocasionando conflitos morais e religiosos que enfraquecem o poder das mulheres na sociedade e aumenta a política de misoginia, cujos ecos refletem até os dias atuais. Como corpus utilizaremos a Matéria da Bretanha com seus lais [Bretões e Marie de France] e obras arturianas, particularmente História dos Reis da Bretanha [Geoffrey de Monmouth,
século XII] e A Morte de Arthur [Thomas Malory, século XV], bem como a análise das principais personagens do romance potiguar As pelejas de Ojuara [Nei Leandro de Castro, século XX], em uma abordagem qualitativa e bibliográfica sócio literária de macroanálise e microanálise, a fim de verificarmos a atuação e os ecos dessas Damas/Bruxas nos campos literários, religioso e social, tanto franco-bretão quanto do interior nordestino brasileiro.