"PARA NÓS, FALAR NA TERRA É FALAR EM DEUS": A TECITURA DAS ROMARIAS DAS COMUNIDADES AO CALDEIRÃO DA SANTA CRUZ DO DESERTO (1984-2022)
Romaria das Comunidades ao Caldeirão, História Cultural das Religiões, Irmandade da Santa Cruz do Deserto, Igreja Católica, Questão Agrária.
Na passagem do século XX para o XXI, momento no qual a Igreja Católica se reorganizava como reação aos avanços organizativos dos camponeses no Brasil, a Comissão Pastoral da Terra junto a um grupo de militantes sociais da região do Cariri cearense idealizaram a Romaria das Comunidades ao Caldeirão do Beato José Lourenço. O encontro religioso é uma festividade em homenagem à memória e ao espaço da Irmandade da Santa Cruz, uma comunidade rural baseada em princípios cristãos e humanistas não-capitalista, e que ganhou notoriedade histórica ao passo que foram inseridos, entre os anos de 1936-1937, em um conflito político-religioso e mediático. Nesse sentido, discutiremos a celebração como uma teia de experiências socioculturais em disputa, um campo de cruzamentos entre preceitos ortodoxos e ordinários, abrangendo diferentes temporalidades e, no entanto, centralizando nosso foco analítico entre os anos de 1984-2022. Desse modo, a presente dissertação, tem como objetivo compreender o processo que possibilitou a realização da romaria, discutindo, também, o silenciamento e o apagamento lançados contra a Irmandade. Por outro lado, por se tratar de um estudo sobre um fenômeno religioso, esta pesquisa analisará quais são as representações manifestadas pelos romeiros, sacerdotes e organizadores sobre o Caldeirão e de que forma se desenvolvem as relações dos sujeitos que participam da celebração com o espaço e a memória da Irmandade. A base documental para esta pesquisa contempla as seguintes fontes: recortes dos jornais circulados no Ceará (O Povo, a Razão, Diário do Nordeste e Brasil de Fato), Carta Episcopal (1984), Crônicas Eclesiásticas, fotografias da romaria e, principalmente, relatos orais de memórias. Assim, as fontes serão analisadas à luz das reflexões teóricas-metodológicas do campo da História Cultural das Religiões em interface com as abordagens investigativas do “método indiciário” e da História Oral, junção que nos permitirá observar novos problemas em fontes submersas e marginalizadas. Com isso, notamos uma “fabricação poética” exercida pelos sujeitos simplistas que, em suas produções narrativas, mobilizam suas percepções sobre o passado da Irmandade e reorganizam, no presente, o entendimento histórico.