OS “MENORES ANORMAIS”
DISCURSOS, PRÁTICAS PSIQUIÁTRICAS E PSICOPEDAGÓGICAS SOBRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM PERNAMBUCO 1926-1945
Crianças Anormais, História da Loucura, Ulysses Pernambucano.
O presente trabalho busca investigar a apropriação da infância e da juventude pelas ciências psiquiátricas e psicopedagógicas em Pernambuco na primeira metade do século XX. Mais especificamente, nosso objetivo central é caracterizar a construção histórica do conceito de “menores anormais”, produzido a partir dos discursos e das práticas psiquiátricas e psicopedagógicas vinculadas à autodenominada “Escola de Psiquiatria do Recife”, tendência teórica fundamentada na herança imaterial do Dr. Ulysses Pernambucano. A psiquiatrização da infância e da juventude anormal emergiu no momento de aprofundamento e de aplicação das teorias higienistas e eugenistas, das políticas públicas de assistência à infância abandonada, do movimento de reformas e de modernização das cidades e dos centros urbanos e, por fim, dos debates sobre a ampliação do ensino público no Brasil. Em suma, a concepção de “menores anormais” é um efeito histórico do desejo do poder psiquiátrico em interferir na vida e nos hábitos da população. Os mais jovens, entendidos como futuros formadores da nação, não poderiam ser legados ao esquecimento ou ao abandono governamental. Os médicos, psicólogos e pedagogos trataram, portanto, de incluí-los em suas ingerências. Dessa forma, queremos indicar que a produção discursiva da psiquiatria pernambucana sobre a infância e a juventude foi resultado de uma governamentalidade centrada em disciplinar e regulamentar a população pernambucana em termos biopolíticos, produzindo, a partir do “dispositivo de segurança” da instituição médico-governamental, denominada de “Divisão de Assistência aos Psicopatas” (1931), os enquadramentos da vida considerada normal e anormal e, portanto, apta ou não ao convívio social. Assim, produziram-se estratégias de condução da vida das crianças e de suas famílias a partir das normativas da higiene mental, bem como foram elaborados e aplicados testes de inteligência para enquadrar os jovens no conjunto das anormalidades, ao mesmo tempo em que se instituiu uma escola especial para esse público e, sobretudo, se manteve um espaço asilar para afastar os ineducáveis e intratáveis.