O paralelismo entre Sócrates e Er na República de Platão
Logos; Mito; Platão; República; Paralelismo.
Resumo: O mito é uma ferramenta de memória social, de conservação e transmissão
dos traços de uma coletividade. Esse tipo de discurso se revela nuclear na estrutura dos
diálogos de Platão. A narrativa mítica platônica atua em sinergia com o logos,
auxiliando-o. Analisando esse trabalho cooperativo entre logos e mito na filosofia de
Platão, defendemos um paralelo entre dois personagens
da República: Sócrates, principal personagem e expositor do pensamento platônico no
diálogo, representante do discurso filosófico, do logos; e Er, personagem do relato que
encerra a obra, representante do mito filosófico, discurso narrativo verossímil fundado
em imagens e representações. Esse paralelismo é fundado em três conexões textuais. A
primeira, em função da linha de significado da descida e subida percorrida pelos
personagens. Essa linha representa o próprio movimento ou modo de proceder do
filósofo. A segunda, da eleição de Sócrates e Er como novos mensageiros do discurso
verdadeiro. A terceira, do retrato feito por Platão dos dois personagens como
auxiliadores da comunidade. Demonstraremos que essas conexões são verdadeiras,
concluindo-se pelo espelhamento entre Sócrates e Er. Esse paralelismo permite uma
interpretação unitária do diálogo A República que se contrapõe às visões que
consideram os Livros I e X como independentes e em separado. Ele também possibilita
retirar a conotação negativa de discurso pré-filosófico adquirida pelo mito platônico.
Em grande parte, isso se deve à perspectiva historiográfica-filosófica atribuída a Hegel,
que defende que o mito favorece a representação em vez do pensamento especulativo.
Assim, o mito foi remetido a uma categoria epistemológica inferior e privado de
qualquer racionalidade. Defendemos que isso não pode ser aceito em Platão, que não
desejou a extinção do discurso mítico, mas sua reformulação.