“Na panela está fervendo o ser de cada um”: fazer-se no feitio de Daime
Santo Daime; feitio; corpo; antropologia
Este trabalho dedica-se a investigar a possível agência da folha rainha (Psychotria viridis) e do cipó jagube (Banisteriopsis caapi) naquilo que aqui é chamado de “confecção do corpo dos(as) daimistas”. O corpo assim confeccionado seria também habitado por estas plantas. A rainha e o jagube cozinhados juntos, sob técnicas específicas, se transubstanciam no Daime – bebida psicoativa central nos cultos do Santo Daime. A confecção ritualística deste sacramento, nomeada de feitio, é o principal rito das tradições daimistas. Compreende-se entre os(as) adeptos(as) que neste período eles(as) fazem a si mesmos(as) em paralelo à feitura do Daime. O processo é executado sob efeito da bebida e em constante manejo das plantas, orientado por diversos protocolos comportamentais. Esta hipótese foi analisada a partir da observação participante no primeiro feitio da igreja Céu de São Lourenço da Mata (Abreu e Lima – PE). A presente etnografia objetiva compreender como as plantas agem na confecção de corpos aptos e dispostos para a feitura do Daime. Os caminhos para esta compreensão foram percorridos através da observação da postura recomendada a cada adepto(a), a qual viabiliza os manuseios sequenciados com as plantas, água e fogo. Os hinos cantados e tocados durante o rito também são lentes de análise para a hipótese, uma vez que também possuem intrincadas técnicas corporais para sua execução. Todas estas técnicas são ensinadas pelas próprias plantas, segundo foi corroborado em campo. Também constatou-se que estes corpos garantem a continuidade das tradições orientadas pelo Daime através do cultivo da folha e do cipó e desdobram-se em novas técnicas.