Memória, história, ficção e a (re)construção do passado: os anos de chumbo em O lugar mais sombrio (2017 -) e Soledad no recife (2009)
Romance histórico contemporâneo. O lugar mais sombrio. Ficcionalização. Soledad no Recife. Ficção impura.
A presente dissertação objetiva refletir sobre o papel e relevância dos elementos memória e história na elaboração dos quadros sociais do passado produzidos pela ficção histórica contemporânea. Para tanto, nos valemos de uma análise comparativa entre a trilogia, ainda incompleta, O lugar mais sombrio (2017-), escrita pelo amazonense Milton Hatoum, e Soledad no Recife (2009), romance escrito pelo autor pernambucano Urariano Mota. As duas narrativas apresentam representações literárias do histórico período da ditatura civil-militar brasileira, vigente entre os anos de 1964 e 1985. Na trilogia de Hatoum, acompanhamos nos dois romances já publicados, A noite da espera (2017) e Pontos de Fuga (2019), o narrador-personagem Martim, um jovem exilado em Paris que decide reunir memórias e vestígios de sua adolescência em Brasília, e do início de sua vida adulta em São Paulo, traçando um panorama de sua trajetória de amadurecimento em meio a conflitos emocionais e políticos, durante parte significativa do período ditatorial. Já no romance de Mota, a trajetória real e documentada da militante Soledad Barret, no Recife, é apresentada de um ponto de vista ficcional por Urariano, a partir de um protagonista-narrador sem nome. Assim, em um primeiro momento, tratamos do entrecruzamento entre ficção, história e memória, seus encontros e desencontros, bem como o desenvolvimento e evolução de seu principal produto: o romance histórico. Na segunda parte dessa pesquisa refletimos sobre a ditatura civil-militar como material da ficção histórica, bem como sobre sua relevância, significância e capacidade de suscitar discussões, produções e recorrentes revisitações no Brasil contemporâneo. No terço final de nossa pesquisa analisamos as obras mencionadas de modo comparativo, visando discutir o processo de (re)elaboração e apresentaçãodo passado em questão a partir de suas estruturas narrativas, estratégias escriturais e elementos de reconstrução. Tais análises direcionaram-nos à percepção da literatura como produto em constante transformação e um espaço capaz de desafiar a intraduzibilidade do passado traumático, mesmo que este nunca seja passível de total desvelamento