As literaturas de autoria negra: as poéticas do não-ser
Literaturas de autoria negra; Poéticas do não-ser; slave narratives; Harriet Wilson; Harriet Jacobs.
A proposta de doutorado desta tese é apresentar duas categorias epistemológicas: 1) a categoria das Literaturas de autoria negra, e 2) a categoria das Poéticas do não-ser. As narrativas autobiográficas Our nig: quadros da vida de uma negra livre (1859), de Harriet Wilson, e Incidentes na vida de uma garota escrava: escritos por ela mesma (1861), de Harriet Wilson, foram os meios utilizados para o desenvolvimento e fundamentação teórico-semântica de nossa pesquisa. Nesse contexto, nossa abordagem expõe o biorracismo e a ante-humanidade como categorias analíticas e meios de construção da violência física e psicológica sofrida pelos corpos de homens negros e mulheres negras. Porém, é necessário explicar que as poetas negras escolhidas como objeto de estudo desta tese inovaram em seus artefatos literários negros por denunciarem especificamente a violência exercida em cima de corpos negros femininos. Para tanto, três aspectos são considerados: a apropriação e ab-rogação da língua europeia colonizadora para criar uma estética literária negra que chamamos de Literaturas de autoria negra que é alheia aos moldes eurocentricos, o uso da Tradição oral africana e do Tempo memorialístico africano na escrita destas Literaturas; e, por fim, a Poética do não-ser, que, ao escrever de volta ao império, nega os discursos biorracistas nas narrativas de corpos negros violados, tais como: seu caráter ante-humanizado, a zona de anterioridade aos corpos brancos por eles ocupada, a incapacidade de gerar conhecimento e criar beleza e, principalmente, que esses corpos negros não possuem nenhum caráter humano. Portanto, a condição social dos corpos negros, de serem considerados iguais às máquinas e, portanto, privados de qualquer capacidade intelectual de produzir coisas belas como a literatura, os colocou em um lugar social subordinado nas Américas como um todo. Dessa forma, o biorracismo e a ante-humanidade foram pensados como ferramentas de subaltenização desses corpos negros em relação à posição social ocupada pelo branco. Assim, a noção de humanidade fica restrita ao corpo branco, colonizador e europeu. Em vista disso, nossos objetivos são os seguintes: identificar como se instaura o lugar de representatividade dos corpos negros femininos de Harriet Wilson e Harriet Jacobs e como isso se reflete na criação de suas personagens autobiográficas nas suas Literaturas de autoria negra; examinar como as autobiografias de Harriet Wilson e Harriet Jacobs denunciam as violências ante-humanas sofridas pelos corpos negros femininos nos Estados Unidos do século. XIX; verificar de que modo as poetas negras desconstroem o biorracismo e a ante-humanidade atribuída ao corpo negro feminino em suas narrativas; e demonstrar como os personagens vivenciam e resistem às condições de biorracismo e ante-humanidade. As seguintes bases teóricas foram usadas para a elaboração do problema de pesquisa: Achille Mbembe, Bill Ashcroft et al, Dionne Brand, Édouard Glissant, Elio Ferreira de Souza, Frantz Fanon, Hampaté Bá, Homi Bhabha, Stuart Hall, entre outros. Nossa tese é a seguinte: as Poéticas do não-ser criam as condições necessárias para que os poetas negros e as poetas negras possam criar suas Literaturas de autoria negra nas Américas.