A LIBERDADE NAS NOTAS DO TABELIÃO: PROPRIEDADE E ALFORRIAS NA COMARCA DE PAUDALHO (1840-1876)
escravidão; propriedades; alforrias; comarca de Paudalho.
O presente trabalho busca caracterizar as dinâmicas sociais e econômicas de acesso à liberdade e de negociação da propriedade escrava na Comarca de Paudalho no século XIX, em específico entre as décadas de 1840 e 1870. Este período é marcado pela criação da estrutura jurídica da dita comarca e de sua maior abrangência territorial, momento no qual era formada pelas freguesias do Divino Espírito Santo do Pao d’Alho, Nossa Senhora da Luz e de Nossa Senhora da Glória do Goitá. Para tal, caracterizar o processo de formação territorial e jurídico da Comarca de Paudalho no oitocentos à luz de conceitos da história demográfica e do urbanismo se fez imprescindível. É importante ressaltar que as múltiplas formas de produção da liberdade em contextos escravistas nas Américas têm sido objeto de estudo da historiografia sob diferentes aportes teóricos e, no Brasil, não é diferente. Não apenas novas abordagens sobre temas conhecidos de historiadores, mas principalmente o olhar aguçado para outros espaços e territórios ditos “periféricos” para além dos grandes centros produtores possibilitam uma compreensão mais ampla do cotidiano da escravidão e da sua capilaridade nos pequenos grupos sociais. Nesse sentido, a aplicação do “jogo de escalas” da micro-história permite aos historiadores observarem os pormenores de sociedades circunscritas num termo ou comarca, possibilitando assim o entendimento das relações e dos arranjos sociais dos mais diferentes grupos. Isso se configura pela necessidade de compreender os processos e as forças sociais e políticas que tangenciam o território em estudo e que neste caso está inserido geograficamente na zona da mata seca de Pernambuco e tem sua formação marcada pela paisagem canavieira. Assim, a partir da rica documentação notarial associada a múltiplas fontes como jornais e relatórios oficiais, esta dissertação caracteriza as teias da liberdade em Paudalho identificando os caminhos percorridos por senhores e cativos para a manutenção da ordem senhorial em contrapartida aos mecanismos de busca pela liberdade aqui representada pelas alforrias. Para além da luta cotidiana pela liberdade, identificamos os caminhos pelos quais os senhores exerceram sua posse sobre os escravizados, usando-os como ativos em seus negócios. Os diversos eixos de análise permitem, a partir das teorias da história social, compreender de forma mais ampla e cuidadosa as relações entre senhores e seus cativos não só no exercício do domínio, mas principalmente na busca pela liberdade. Assim procura-se compreender de que forma a propriedade de pessoas escravizadas estava materializada na comarca de Paudalho, sobretudo considerando o contexto de mudanças no qual esta pesquisa se insere. O recorte temporal escolhido foi marcado por amplas modificações na ordem escravista sobretudo no campo jurídico com o fim oficial do tráfico atlântico e a promulgação de leis antiescravistas a exemplo da Lei do Ventre Livre. Além disso, este período foi marcado pela reorganização da burocracia e estrutura administrativa do Estado que resultou em movimentos que atingiram os mais distintos grupos sociais. Dessa forma, esta pesquisa transita entre o local e o nacional no sentido de reconhecer os sujeitos que direta ou indiretamente estiveram inseridos nestes contextos de amplas mudanças e colocá-los da centralidade do estudo da História.