Estudo da resistência à radiação ionizante natural e induzida em Drosophila melanogaster residentes de cidades do nordeste brasileiro com alto nível de 222Rn.
Caatinga. D. melanogaster. Radiação ionizante. Resposta radioadaptativa.
A radiação ionizante é capaz de provocar alterações biológicas graves nos organismos expostos, decorrentes de mutações no material genético que podem culminar em danos irreparáveis e morte celular. Contudo, os seres vivos possuem sistemas de reparo genéticos para manutenção da integridade do DNA, a depender da dose e tempo de exposição a agentes mutagênicos. Este trabalho buscou investigar como a radiação ionizante presente em dois municípios da região semiárida do Nordeste do Brasil afeta o organismo-modelo Drosophila melanogaster (Insecta, Diptera). Após a busca por locais com níveis alterados de radiação natural, monitorados pela presença de partículas alfa emanadas do solo, foram escolhidos os municípios de Cerro Corá e Parelhas, no Rio Grande do Norte, para serem obtidas amostras de indivíduos D. melanogaster, denominadas CC-res (Cerro Corá residente) e PAR-res (Parelhas residente). Em laboratório, essas linhagens foram mantidas nas mesmas condições de cultivo que a linhagem controle Oregon-R. Decorridos sete e 13 meses, três réplicas de cada linhagem foram expostas por seis dias em Cerro Corá e em Parelhas, junto com Oregon-R. Larvas e adultos expostos retornaram ao laboratório para serem processados pelo Ensaio cometa, que quantifica os danos no DNA (efeito genotóxico) pelo Índice de Dano (ID) e Frequência de Dano (FD%). Para ampliar os resultados obtidos em campo (exposição crônica), uma segunda abordagem foi feita com as mesmas populações, e com a linhagem controle ambiental procedente de Vitória de Santo Antão (VSA-res), local com níveis normais de radiação (< 200 Bq.m -3 ). Três réplicas de larvas CC-res, PAR-res, Oregon-R e VSA-res foram submetidas a doses controladas de radiação gama (10, 30, 50 e 70 Gray), induzida por fonte de 60 Cobalto. Os efeitos genotóxicos foram avaliados pelo Ensaio cometa após 1 hora da irradiação, e após 24 horas, visando observar o efeito celular de recuperação aos danos. Os resultados dos experimentos crônicos e agudos estão apresentados nos Artigos 1 e 2 desta Tese. O primeiro artigo apresenta as medidas de radiação alpha em Cerro Corá (acima de 2800 Bq.m -3 ), quantificadas em duas estações do ano (seca e chuvosa), juntamente com os resultados da exposição crônica e aguda de CC-res e Oregon-R (OR 1 ). São apresentadas evidências da presença de adaptação genética em CC-res, com baixas medidas de ID e FD% em comparação com OR 1 . Os resultados de radiorresistência foram corroborados pelos testes de exposição aguda, com baixos ID e FD% em CC-res (exceto na dose 10 Gray), ao contrário de OR 1 , com danos crescentes (efeito dose-dependente). Esses resultados se mantiveram mesmo após 24 horas da irradiação gama, sugerindo que os danos são permanentes em OR 1 (efeito mutagênico). No artigo 2 foi avaliada a população natural de D. melanogaster proveniente de Parelhas, um local com níveis moderados de radiação natural (entre 400 e 900 Bq.m -3 ). Como os experimentos foram realizados nas mesmas datas em Parelhas e Cerro Corá, o Artigo 2 apresenta, além dos resultados da exposição crônica e aguda, a comparação entre todas as populações, incluindo Vitória de Santo Antão (VSA-res), que se comportou como grupo controle ambiental após exposição à radiação gama. Os resultados confirmam a hipótese inicial de que apenas as populações D. melanogaster residentes de locais com níveis anormais de radiação natural desenvolveram a capacidade adaptativa de controlar os danos ao DNA, provavelmente devido a um aprimoramento das vias de reparo do DNA. Os resultados apontam para a necessidade de serem realizados mais estudos nos ambientes da Caatinga onde há níveis anormais de radiação, e avaliar outros organismos, visando compreender como ocorrem os processos genético-adaptativos decorrentes da exposição à radiação natural.