AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE RECUPERAÇÃO ENERGÉTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS EM PERNAMBUCO
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Há mais de três décadas se debate o problema da coleta, do aproveitamento e da destinação final dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) no Brasil. O tema tem sido objeto de um dos mais complexos arranjos sociopolíticos da sociedade. Envolve milhões de pessoas entre catadores e profissionais que manejam recicláveis, população que depende diretamente de sua doação pelo poder público para sua sobrevivência. Milhares de cooperativas, empresas de coleta, transporte e destinação final lucram com os resíduos sólidos urbanos descartados pela população, confluindo politicamente para manutenção do status econômico estabelecido.
O debate público relacionado ao tema atrai o interesse de associações não governamentais, partidos políticos e diversos atores do segmento, todos interessados no equacionamento socioeconômico da população dependente dos resíduos e da preservação do meio ambiente. No entanto, se observa a perpetuação da condição degradante dos catadores de lixo, a manutenção de baixos índices de coleta seletiva e reciclagem do lixo urbano, a não valorização dos rejeitos para produção de energia e combustíveis derivados, além da baixa industrialização das cadeias de reciclagem.
Apesar da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) no ano de 2010 que objetiva a adequada disposição e maior valorização dos resíduos descartados, o cenário pouco evoluiu pouco nos últimos 15 anos. Os municípios brasileiros não conseguiram implementar políticas públicas capazes de equacionar os graves problemas sociais, econômicos e ambientais relacionados ao lixo urbano. Excetua-se a disposição final nos lixões, símbolo máximo do descaso da administração pública, que tem sido paulatinamente reduzido.
A PNRS estabelece uma sequência prioritária de destinação dos resíduos produzidos: (1) o reuso; (2) a reciclagem, (3) a valorização energética e, por último, (4) a destinação nos aterros sanitários. Apesar de todo o esforço desprendido pelos poderes da República, das instituições governamentais, das organizações não governamentais, das empresas e associações, bem como da própria sociedade, quase nada avançou no sentido de se promover o reuso, a reciclagem e a valorização energética dos resíduos sólidos urbanos no Brasil. Apenas 5% de todo o montante produzido é direcionado para a indústria de reciclagem e quase nada é aproveitado para produção de combustíveis e energia.
Ainda hoje, centenas de municípios brasileiros seguem despejando resíduos em lixões, impulsionando a emissão de gases de efeito estufa, pondo em risco mananciais de água, degradando os terrenos localizados no entorno das cidades com odores e proliferação de pragas urbanas, perseverando um gigantesco passivo ambiental para a eternidade. Além disso, a inércia do poder público e da sociedade organizada perdura o degradante cenário de centenas de milhares de trabalhadores que vivem da catação autônoma nas ruas e em cooperativas espalhadas pelo país.
Comparando as soluções adotadas no mundo desenvolvido com as atuais soluções adotadas no Brasil, percebe-se que seguimos atrasados, na contramão da atual diretiva europeia e dos países mais desenvolvidos, que penalizam a disposição de resíduos em aterros sanitários. Nesses países, há incentivo à separação domiciliar, à coleta seletiva, à formação de cadeias de reuso e reciclagem e à valorização energética, havendo elevada taxação na deposição de RSU em aterros sanitários.
A pesquisa debate, exatamente, a recuperação energética de RSU, penúltima destinação prevista na PNRS: o tratamento dos resíduos. Considerando que o Brasil recicla baixo percentual dos resíduos coletados, percentual próximo a 5%, deveria valorizar todo o restante antes de sua disposição final em aterros sanitários.
Sabe-se que a reciclagem prescinde da formação de cadeias industriais de aproveitamento de plásticos, vidros, metais, papéis, matéria orgânica entre outras. Essa cadeia prescinde de viabilidade econômica para seu desenvolvimento e sustentabilidade econômica. No entanto, no Brasil, grande parcela dos resíduos não encontra viabilidade em seu aproveitamento, já que a matéria prima coletada, separada e empilhada tem preços muito baixos. Os custos em processos manuais ou semiautomáticos nas cooperativas são elevados. Não havendo viabilidade nessa comercialização, há de se decidir qual destinação deve ser dada a esses resíduos recicláveis, porém, não comercializáveis. Seria o aterro sanitário, ficando milhares de anos estocados até sua decomposição? Por que não o valorizar energeticamente com a produção de combustíveis derivados e produção de calor e energia? Por que não eliminar esses resíduos evitando a proliferação de pragas, risco de contaminação de mananciais de água e deterioração de áreas conurbadas?
Observando a existência de uma defesa apaixonada, contrária à valorização desses resíduos para a recuperação energética, a pesquisa observa a propalada narrativa defendida pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e de dezenas de outras organizações não governamentais brasileiras e estrangeiras que demonizam a recuperação energética. Estudando o histórico do Movimento, observa-se que o MNCR mantém relacionamento político estreito com o Partido dos Trabalhadores. A pesquisa investiga em que medida essa e outras interações têm influenciado a manutenção do atual modus operandi do setor de resíduos sólidos. A investigação se lança em busca do descortinamento das motivações dessa intensa luta entre a manutenção do atual modus operandi com seus beneficiários e as perspectivas para uma mudança desse cenário. Ao final, será demonstrado que somente a mudança do atual modo operativo de coletar, tratar e destinar resíduos pode eliminar o quadro de miséria e degradação que se perpetua nesse setor no Brasil.
Após a análise do conteúdo de diversas pesquisas acadêmicas que abordam questões sociais, técnicas, econômicas, ambientais e políticas, comparando com a análise de entrevistas realizadas com atores de diversos grupos de interesse do setor de RSU, além de inferir quantitativamente os potenciais de adoção dessas políticas em diversas regiões do Estado de Pernambuco, a pesquisa evidencia a existência de uma coalizão ampla de grupos interessados que tem vencido a arena política instalada.
Os resultados encontrados apontam que, apesar de haver uma narrativa que aborda questões econômicas, sociais, técnicas e ambientais, é o peso da decisão política que tem feito a diferença na perpetuação desse atraso de amplo espectro ambiental e socioeconômico.
A pesquisa traz contribuições valiosas para a construção de políticas públicas inclusivas. Essas políticas podem direcionar os trabalhadores autônomos e das cooperativas para atividades formais em processos sustentáveis mais atualizados, proporcionando a melhoria dos índices de separação domiciliar, coleta seletiva, reciclagem, compostagem e valorização energética. Para tanto, imperativamente, há de se afastar das falsas narrativas ambientais, econômicas e principalmente dos vieses políticos e ideológicos que têm obstaculizado sistematicamente as tentativas de evolução dessas políticas no Brasil.