PROGRAMANDO A GESTÃO PÚBLICA: UMA ETNOGRAFIA DAS PRÁTICAS
COM DADOS, CÓDIGOS E MÁQUINAS EM UMA CENTRAL DE DADOS
PÚBLICOS EM RECIFE, PERNAMBUCO
gestão pública; dados; ciência e tecnologia; evidências; antropologia dos
dados.
Máquinas, códigos, softwares e diversos artefatos tecnológicos têm permitido que um volume
massivo de “dados” reorganize as maneiras de conhecer e intervir no mundo. No âmbito
público, observa-se que governos vêm se tornando “orientados por dados” e tratando as
conclusões derivadas deles como “evidências” para embasar políticas. Diante da ubiquidade
dos “dados” e da sua relevância política, antropólogos têm buscado compreendê-los como um
objeto etnográfico emergente, enfatizando a necessidade de investigá-los em seus complexos
modos de fazer, comparar e governar (Munhoz, Perin e Ribeiro, 2024). Nessa direção, esta
pesquisa questiona como práticas de conhecimento e experimentações técnicas com dados
vêm (re)modelando a gestão pública. A partir do trabalho de campo com a equipe do
“Departamento de Inteligência de Dados” de uma grande organização pública que gerencia
bases de dados e plataformas de governo digital da cidade do Recife, Pernambuco, a
dissertação investiga uma estrutura tecnocientífica construída para os dados públicos,
tornando-os objetos centrais de conhecimento para a gestão municipal. A pesquisa se debruça
sobre um conjunto variado de práticas e técnicas, entre humanos e não-humanos, que vêm
colocando os dados em ação, instituindo novas praticalidades e materialidades nas quais as
realidades dos problemas públicos são multiplicadas (Mol, 2002). A problemática, assim,
situa-se numa antropologia das ciências e das técnicas, dialogando com os estudos em ciência,
tecnologia e sociedade (STS) e com a recente “antropologia dos dados” (Douglas-Jones,
Walford e Seaver, 2021). A etnografia destaca duas atividades centrais do departamento: a
“consolidação” e a “modelagem” de dados, ao longo das quais os “dados” são convertidos em
“informações” e estas, tornadas graficamente “visíveis” nos chamados “painéis dos gestores”,
tomam a forma de “evidências”. Nesse processo, a interação humano-máquina mediada por
códigos computacionais delimita as “perguntas possíveis” e “respostas aceitáveis”, que se
impõem pela força da “evidência” e, assim, promulgam modos específicos e “acelerados”
(Stengers, 2023) de conhecer e intervir para a gestão pública. Ressaltando a natureza
negociada da política de dados, a dissertação tensiona ainda a narrativa que concebe os dados
e suas tecnologias como entidades “neutras” e “objetivas”, cujas imagens, como um “truque
de deus” (Haraway, 1995), refletiriam a “realidade” sem distorções. Em contrapartida,
busca-se sustentar que nem os dados são neutros, nem existe uma “realidade” “lá fora” a ser
representada (Latour, 2017): a cada imagem criada, os dados criam também novas realidades
para os objetos que tomam como referência.