O MACHISMO MATA SEM PEDIR PERMISSAO, MAS O DIREITO A CONCEDE: a “legitima defesa da honra” sob a otica dos estudos criticos do discurso
direitos humanos; masculinidade; violência contra a mulher; direito
penal; estudos críticos do discurso.
Esta pesquisa investiga a persistência da tese da “legítima defesa da honra” como
argumento para justificar a violência contra a mulher no sistema penal brasileiro. O
foco especial é nas decisões do Tribunal do Júri. Argumenta-se que o discurso
jurídico, historicamente influenciado por uma masculinidade patriarcal hegemônica,
desempenha um papel crucial na legitimação e reprodução dessa violência, criando
um sistema de cumplicidade institucional. Utilizando como base teórica a Criminologia
Crítica (Andrade, 2005), os Estudos de Gênero (Connell, 2005, 2013; Saffioti, 2015;
Butler, 2018, 2019) e os Estudos Críticos do Discurso (ECD) com abordagem
sociocognitiva de Teun Van Dijk (2010, 2012, 2014), a pesquisa emprega uma
metodologia qualitativa para analisar documentos judiciais (sentenças do Tribunal do
Júri, acórdãos do STJ e STF, incluindo a ADPF 779 e um Habeas Corpus) e material
jornalístico. O objetivo é desvelar as estratégias discursivas e os modelos mentais,
perpassados por ideologias subjacentes, que sustentam a dominação e a
desigualdade de gênero no âmbito jurídico. A análise revela que decisões judiciais, ao
empregarem estratégias como a minimização da responsabilidade do agressor, a
culpabilização da vítima e a naturalização da violência masculina, reproduzem
ideologias patriarcais, manifestando o que se denomina “clemência-cumplicidade” – a
absolvição ou leniência judicial influenciada por essa lógica. Contudo, as recentes
decisões do STF (ADPF 779 e Tema 1087) e do STJ analisadas representam um
contraponto discursivo significativo, banindo formalmente a tese da “legítima defesa
da honra” e reforçando a primazia da dignidade humana e do direito à vida sobre
códigos de honra masculinos. A pesquisa conclui que, apesar dos avanços
normativos, a lógica patriarcal persiste implicitamente em algumas práticas judiciais,
evidenciando a adaptação das estruturas de poder. A superação efetiva da violência
de gênero no sistema de justiça criminal exige uma transformação cultural e
pedagógica mais profunda, que desnaturalize a masculinidade violenta e promova
modelos mentais equitativos entre os operadores do direito. As descobertas apontam
para a necessidade de monitorar a aplicação das novas diretrizes, a partir dos julgados
analisados, e investigar a resiliência dos vieses de gênero, sugerindo caminhos para
futuras pesquisas que aprofundem essa compreensão complexa.