O fracasso de Telêmaco: imagens do patriarcado no romance latino-americano
Romance latino-americano; Patriarcado; Tematologia.
Esta tese tem como objetivo principal analisar representações do patriarcado e de sua crise presentes em um conjunto de romances latino-americanos em língua espanhola ou portuguesa, publicados entre a segunda metade do século XX e o começo do século XXI. Os narradores ou personagens principais destes romances são filhos(as) ou pais(mães) que se veem sob a sombra do paradigma do patriarcado e sofrem suas consequências. Para a definição de patriarcado adotada nesta tese, levamos em conta principalmente os trabalhos de Lerner (2019), Beauvoir (1970), Delphy (2009) e Plastino (2016, 2017). Considero, no âmbito deste trabalho, o patriarcado não apenas uma formação social ou um sistema historicamente constituído, mas também como um fenômeno de longa duração, que afeta os mais distintos aspectos da sociedade e se configura numa mentalidade hegemônica, atualizada a partir do paradigma da modernidade. Por meio de uma abordagem eclética, de cunho comparativo não-hierarquizado, priorizou-se a identificação de constantes e variações dos temas, motivos e topoi identificados, como a telemaquia, o nóstos, a vingança, a busca pelo desaparecido ou a demanda de uma figura de autoridade. Foram especialmente importantes para esta análise as contribuições de Etiemble (1963), Guillén (1985) e Nitrini (2015). Para nos aproximarmos destes aspectos tematológicos, usamos, primeiramente, o personagem Telêmaco como fio condutor e elemento temático guia. Ele representa o filho em busca do pai e que retorna para casa para integrar-se à violência do mundo patriarcal. Em segundo lugar, evocamos o tema de Hamlet como a atualização moderna do tema filho: agora, ele vacila em cumprir as demandas do pai ou integrar-se ao paradigma, e isso o leva à ruína. Tomando como ponto de partida o romance Pedro Páramo (1955), de Juan Rulfo, avançamos por uma tradição latino-americana de duplos telemaico-hamletianos em suas jornadas de integração ou de rejeição ao patriarcado. Adicionalmente, o topos da casa também foi importante na análise de parte dos romances do corpus, entendida a casa como signo ambivalente, ao mesmo tempo espaço de manutenção do status quo para o patriarca e locus horrendus para o filho. No âmbito deste trabalho, a casa é uma representação em pequena escala de um topos que reflete as contradições latino-americanas, que nomeamos provisoriamente de Ruinamérica. Como pretendo demonstrar, as personagens romanescas dos filhos e dos pais oscilam entre demiurgos da mudança, vítimas da opressão do patriarcado ou seus fiéis defensores. A partir do cotejo das obras do corpus, identificamos, por fim, uma produtiva atualização e reinvenção dos temas focados no romance latino-americano.