De estigma, de sangue até cuidados: mudos, mudas e ouvintes no sertão da Paraíba.
Cotidiano. Relações familiares. Cuidados. Deficiências. Histórias.
Esta tese descreve formas de vida de “mudas”, “mudos” e ouvintes a partir de atos de cuidados produzidos ao longo do tempo. Inicialmente aborda eventos político-sociais transnacionais e a história brasileira, relacionados ao processo de formação de Estado-nação, em que a pessoa “muda” foi enlaçada, resultando em estigmatizações, assujeitamentos e formas de tutela. A atribuição depreciativa de “doido/doida” que “mudos/mudas” recebem no cotidiano é uma categoria analisada concretamente de como se conjugam ou se invertem na vida social local e extralocal, em diferentes tempos. Seguindo Veena Das as narrativas, as classificações e as memórias mais íntimas elaboradas na vida doméstica são também políticas e históricas. Nesse sentido, as histórias pessoais e familiares, vistos através dos discursos e das práticas de cuidados, se conectam às formações políticas mais amplas das quais fazem parte, entendidas como “comunidades morais” no sentido de Turner. A partir de reflexões etnográficas e sócio-históricas examina como essas questões se cruzam em corpos que não são genéricos. Os corpos de “mudas”, “mudos” e ouvintes falam sobre doenças, deficiências, pobreza, protagonismos, famílias, gênero, geração, migração, relações de poder, estratégias de sobrevivência, instituições estatais, cuidados público e privado. Os cuidados inscritos e embebidos no movimento da vida, são tecidos numa coprodução instável e contínua com essas categorias, que não são fixas. As ambiguidades das práticas e atribuições de cuidar cotidianamente, como as que envolvem atenção, negociação, afeto, conflitos, dinheiro, tempo, divisão do trabalho e dificuldades, são co-constituídas pelas linhas das correspondências e discordâncias das expectativas sociais do gênero, da geração, dos corpos, da classe, das instituições do Estado e dos códigos familiares. Os custos e os valores do (não) reconhecimento das diversas formas de produção de “cuidar de si e do outro” se visibilizam, tornados temas de reverberação política sócio-histórica e discussões sobre experiências de desigualdades.