NÃO SEI! SÓ SEI QUE FOI SIM”:um estudo sobre o uso de evidências pelo poder judiciário no Brasil
NAT-JUS; Judicialização da Saúde; Fundamentação Técnica; Evidências Científicas; Assistência Farmacêutica; Medicamentos; Direito à Saúde.
Terminar a leitura de uma decisão judicial, saber seu resultado (procedência ou não do pedido), mas ter a sensação de que os argumentos utilizados serviriam para o julgamento de inúmeras demandas com os mais variados pedidos e causa de pedir, ainda é bem comum na justiça brasileira, principalmente quando o tema é judicialização da saúde, em especial, de medicamentos. A falta de conhecimento técnico para apreciar essas demandas resulta em decisões repletas de conceitos genéricos, limitadas à reprodução do ato normativo, entre outros artifícios jurídicos, bem distantes de uma análise técnica, baseada em evidências científicas. Diante da ausência de qualificação específica dos magistrados, a partir de 2010 foi recomendada a criação de um Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NAT-JUS) para subsidiar juízes com evidências científicas nas demandas de saúde pública. Assim, por meio de pareceres, o núcleo analisa o pedido e verifica, entre outras, as seguintes pontos técnicos: 1. existência de parecer da CONITEC, 2. indicação de alternativas terapêuticas no SUS, 3. se o uso do fármaco demandado é off-label, 4. registro da Anvisa e 5. necessidade de novos exames ou mais informações. Passados mais de dez anos da primeira recomendação para a sua criação, questiona-se: os argumentos técnicos apresentados pelo NAT-JUS em seus pareceres estão subsidiando os magistrados na fundamentação das sentenças? A hipótese é a de que a existência de pontos técnicos nos pareceres apresentados pelo núcleo aumenta a chance de utilização do parecer no julgamento da ação. Metodologicamente, o desenho de pesquisa utiliza estatística descritiva e regressão logística para analisar a relação entre a variável dependente (utilização dos pareceres nas sentenças) e as variáveis independentes (os cinco pontos técnicos elencados acima) para uma amostra de 139 sentenças proferidas no TJPE entre 2017 e 2022. Os resultados mostram que a consulta ao NAT-JUS foi feita em menos da metade das ações judiciais (48,20%) e que apesar de terem sido identificados 37 pareceres com pontos desfavoráveis ao pedido, em 15 ações (40,54%) os elementos técnicos elencados foram completamente ignorados pelos magistrados, observando-se uma subutilização do núcleo, prevalecendo uma argumentação legalista, fundamentada em fatores jurídicos e não técnicos.