Violência, substantivo feminino: um estudo genealógico sobre as narrativas da violência contra as mulheres na mídia pernambucana
Violência. Gênero. Mulheres. Análise de Discurso. Mídia.
Este trabalho tem como objetivo compreender o que e como se fala sobre as violências contra as mulheres nas
coberturas jornalísticas feitas pelo Diario de Pernambuco nos intervalos de 1969 a 1971 e de 2014 a 2016. A investigação empreende uma articulação entre duas bases teórico-metodológicas: a genealogia, conforme trabalhada por Nietzsche (2009) e Foucault (2018a, 2018b, 2018c), e a análise de discurso francesa, nos termos desenvolvidos por Pêcheux (1998, 2014) e Orlandi (1999, 2021). No período analisado, foram catalogados 1780 textos jornalísticos publicados pelo Diario de Pernambuco, que foram divididos em dois blocos: o bloco 1970, que contempla os anos de 1969 a 1971 e o bloco 2015, de 2014 a 2016. A seleção dos marcos históricos da pesquisa se baseia na percepção de que se trata de dois períodos de acentuação discursiva das questões relacionadas aos direitos das mulheres e ao enfrentamento à violência de gênero no Brasil: a transição dos anos 1960 para 1970, em que as convenções de gênero e sexualidade passaram por grandes transformações, e a segunda metade da década de 2015, quando a popularização da lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, e a promulgação da lei 13.104/2015, a Lei do Feminicídio, definiram novas formas de falar sobre o assunto. Os dados encontrados foram apresentados em duas partes. A primeira discute os aspectos mais gerais e estruturais do fenômeno, trazendo informações como o número de ocorrências encontradas em cada recorte, os termos mais recorrentemente citados nos textos e as principais tendências verificadas no material estudado. A partir da observação desses dados, passa-se à segunda parte da análise, que delimita e problematiza os principais eixos temáticos em torno dos quais o discurso jornalístico da violência contra as mulheres orbita com mais frequência: a objetificação da mulher, permeada por sentimentos de posse e controle sobre o corpo feminino, a moralização das coberturas (e das condutas dos envolvidos) e o hibridismo entre o discurso jornalístico e o policial/jurídico. Como resultados da investigação, percebeu-se que, embora a luta em prol dos direitos das mulheres e contra a violência endereçada a elas tenha obtido avanços significativos nos últimos cinquenta anos, as principais linhas de força discursivas identificadas nos anos 1960 ainda se mostram bastante presentes no discurso jornalístico dos anos 2015 e seguem influenciando as maneiras como se pensa, fala e age com relação ao problema. Nesse contexto, as violências contra as mulheres não deixam de existir ou “evoluem” ao longo do tempo, como prega o senso comum na matéria. O que acontece é um refinamento dessas violências, um processo de sutilização que vai inscrevendo a crueldade, a guerra contra o feminino, no cotidiano, nas instituições e nos discursos, em particular no discurso das mídias. Assim, ainda que as coberturas jornalísticas tenham passado progressivamente a discutir o fenômeno da violência sob lentes mais críticas, isso não significa que o discurso jornalístico tenha deixado de ser violento, nem de reforçar, ainda que de maneira subliminar, violências, estigmas e processos de assujeitamento.