A violencia simbolica na cobertura jornalistica de feminicidios: uma analise interseccional dos fundamentos do jornalismo hegemonico
Feminicídio; Jornalismo; Violência Simbólica; Critérios de noticiabilidade.
Esta dissertação investiga como os princípios editoriais e as técnicas do jornalismo hegemônico contribuem para a reprodução da violência simbólica de gênero na cobertura de feminicídios, tendo como foco empírico as matérias publicadas pelo portal G1 Pernambuco ao longo de 2024. A partir de uma abordagem feminista e interseccional, fundamentada nas teorias construcionistas do jornalismo (Traquina, 2005; Meditsch, 2012) e nos estudos de gênero (Segato, 2002, 2006, 2012; Crenshaw, 1989; Butler, 2009), parte-se do entendimento de que o discurso jornalístico não apenas informa, mas participa da produção de sentidos sobre o mundo social, sendo, portanto, atravessado por disputas simbólicas e estruturas de poder. Com base em um corpus de dezenove matérias jornalísticas, a investigação articula métodos da análise de conteúdo (Bardin, 2011) e da análise do discurso (Pêcheux 2008, 2009; Orlandi, 2015) para mapear e interpretar regularidades narrativas e técnicas que contribuem para a invisibilização da violência de gênero. Nesse sentido, a pesquisa evidencia os limites das práticas jornalísticas frente às assimetrias de gênero, raça, classe e identidade, demonstrando como o ideal de imparcialidade e objetividade (Genro Filho, 1987), o jornalismo declaratório (Moraes, 2022), os critérios de noticiabilidade, a suposta ‘humanização’ jornalística, o uso de provas visuais e a dependência de fontes institucionais inviabilizam uma cobertura situada em perspectiva feminista, frequentemente isolando os casos e apagando suas raízes estruturais (Segato, 2012; Silva, 2005; Veiga, 2010). Esta pesquisa não parte de uma rejeição às ferramentas técnicas que estruturam o jornalismo, mas da defesa de que essas ferramentas, como toda prática institucionalizada, devem ser submetidas a um processo contínuo de reflexão crítica. Não se trata de descartá-las, mas de compreendê-las à luz de suas origens históricas e dos efeitos que produzem na construção social da realidade (Moraes, 2022; Genro Filho, 1987). Ao reunir teoria, análise empírica e experiência situada (Haraway, 1988; Flores, 2016), esta dissertação propõe uma reflexão sobre a necessidade de reconfigurar não apenas os enquadramentos noticiosos, mas os próprios fundamentos do fazer jornalístico. Defende-se que não é possível construir uma cobertura transformadora sobre o feminicídio sem enfrentar as estruturas simbólicas e técnicas que sustentam sua invisibilização. A proposta, assim, não é apenas descrever um problema, mas reivindicar uma mudança ética, política e epistemológica no modo como o jornalismo se relaciona com a violência de gênero.