LEGADOS COLONIAIS: um mapeamento das figuras da branquitude e das relações de colonialidade no cinema brasileiro contemporâneo
cinema brasileiro; colonialidade; branquitude; casa-grande.
Na última década (2010-2020), a problemática racial despontou como uma das linhas de força do cinema brasileiro, de forma a incidir numa diversidade de obras alusivas ao evento da colonização e, principalmente, aos
legados coloniais. Neste conjunto de filmes bastante heterogêneo, desde narrativas de horror e terror até dramas sociais e romances, um dos focos se concentrou no universo da branquitude (BENTO; SHUCMAN; SOVIK), no qual se constatou uma série de disputas e tensões em torno dos territórios. A casa-grande, celebrada por Gilberto Freyre como o lugar de formação social, cultural e política das famílias patriarcais no período escravocrata, teve destaque em muitos desses filmes. Mesmo nas obras em que ela não figura, seu vulto histórico se esboça, através de formas arquitetônicas atualizadas (sobrados, latifúndios, mansões, apartamentos de luxo). Nessas espacialidades, observa-se uma miríade de relações de parentesco e de trabalho, que deixam entrever emoções e condutas afins entre as personagens brancas, tais como soberba, culpa, medo, desejo, entre outras. A partir de um método que mobiliza, de um lado, uma abordagem discursiva (SHOHAT e STAM) e, do outro, uma base fenomenológica, interessada nas cargas afetivas das imagens (WARBURG;DIDI-HUBERMAN; BRUNO), busco mapear estas figuras brancas e suas relações com a alteridade, bem como os gestos e formas que se repetem entre os filmes e que dão a ver alguns dos traços sobreviventes de colonialidade (QUIJANO; SEGATO). Dirigidos por cineastas brancos e brancas, essas obras enfatizam, sobretudo, os privilégios da branquitude, suas redes de afeto e proteção, mas também os constrangimentos e conflitos sublimados no interior das habitações, produzidos pelo convívio forçado entre patrões e empregados.Além disso, percebe-se uma série de temores, fantasias sexuais e práticas violentas, filmadas algumas vezes de modo a reiterar o discurso colonial, seja pela assimilação de determinadas hierarquias raciais na composição, pela aderência sensível aos protagonistas brancos e/ou pelo acionamento de alguns estereótipos dos/as Outros/as raciais.