QUANDO A SOQUEIRA NAO FERE A LEI: um estudo etnografico das disputas em torno da tortura na Justica Militar em Pernambuco
Tortura; Direitos Humanos; Justiça Criminal; Audiências de Custódia.
No Brasil, a prática da tortura é mobilizada cotidianamente pelo Estado nos mais
diversos segmentos da sociedade, se neutraliza e naturaliza sobretudo em face das
populações mais vulneráveis. Nesse contexto, o trabalho estudou a dinâmica da
tortura e os desafios de sua apuração e responsabilização no sistema de justiça
militar, a partir do estudo de 05 (cinco) Inquéritos Policiais Militares (IPMs) oriundos
da Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM), vinculada à Polícia Militar de
Pernambuco. Considerando-os como artefatos etnográficos, a pesquisa objetivou
desvendar a construção das linguagens partir dos discursos e enquadramentos dados
aos fatos relatados enquanto tortura, maus tratos e/ou lesões corporais. Foram
lançadas luzes para as disputas de linguagens que podem contribuir ou não para a
engenharia da responsabilização policial na justiça militar. Metodologicamente, a
pesquisa foi conduzida a partir de uma abordagem qualitativa e documental, tratando
os IPMs como artefatos etnográficos. O corpus da análise incluiu autos de prisão em
flagrante delito militar, decisões nas audiências de custódia, laudos periciais, termos
de depoimento, relatórios e as "soluções" (decisões finais) dos inquéritos. Foi possível
observar como as denúncias iniciais de agressão física, relatadas especialmente nas
audiências de custódia, foram progressivamente desqualificadas e recontextualizadas
ao longo dos IPMs investigados. A análise da prova pericial produzida no IML, que
atestou lesões, mas sem atribuir autoria, aliada à ausência de rigor nas investigações
dos agentes militares, contribuiu para a construção de uma "verdade oficial" que
minimizou a tortura, à revelia do que preconiza o Protocolo de Istambul. Argumenta-
se, ainda, que a instrumentalização de elementos como o histórico criminal das
vítimas e as fichas de justiça e disciplina dos policiais por vezes são manejadas para
deslegitimar as alegações de agressão e blindar a corporação.