PRIVACIDADE E CONSENTIMENTO NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS SOBRE DADOS PESSOAIS
Privacidade. Dados Pessoais. Consentimento Mitigado. Invalidade. Negócio Jurídico. Direitos da Personalidade. Regulação pela Arquitetura.
A presente tese investiga a validade dos negócios jurídicos que têm por objeto o tratamento de dados pessoais, com ênfase na análise crítica do modelo tradicional de consentimento aplicado à privacidade. Partindo do reconhecimento da privacidade como um direito de personalidade e de sua natureza extrapatrimonial, argumenta-se que os instrumentos negociais atualmente utilizados, notadamente os baseados no modelo do tipo “notice and choice”, apresentam fragilidades estruturais que comprometem a liberdade e a autenticidade da manifestação de vontade dos titulares de dados pessoais. A assimetria informacional entre titulares e agentes de tratamento, a massificação do uso de cláusulas padrão, a presença de interfaces manipulativas (dark patterns) e a pressão econômica das plataformas digitais resultam em negócios jurídicos nos quais o consentimento é, quando muito, simbólico ou viciado. Sustenta-se, portanto, que o consentimento tradicional é insuficiente para legitimar os atos negociais sobre a privacidade e que sua aplicação irrestrita acaba por legitimar práticas abusivas e desproporcionais. Como alternativa, propõe-se a adoção de um modelo de consentimento mitigado, no qual o consentimento é relativizado e complementado por deveres jurídicos substanciais: obtenção apropriada de consentimento, lealdade, respeito às expectativas razoáveis e prevenção de riscos desproporcionais. O trabalho também defende a regulação pela arquitetura (privacy by design)
como ferramenta normativa eficaz, apta a garantir, desde a concepção dos sistemas, salvaguardas técnicas de proteção à autodeterminação informacional. Conclui-se que a validade dos negócios jurídicos sobre dados pessoais deve ser analisada à luz de sua natureza extrapatrimonial e do regime especial dos direitos da personalidade, exigindo a superação da lógica contratual patrimonialista. A tese propõe, por fim, uma reconstrução dogmática e normativa do papel do consentimento no Direito Privado contemporâneo, compatível com os desafios da sociedade digital.