PENSANDO COMO UMA JURISTA NEGRA: por uma política educacional antirracista para os cursos de Direito no Brasil
Formação Jurídica; Diretrizes Curriculares Nacionais; Educação para as Relações Étnico-Raciais; Racismo Institucional; Projeto Pedagógico de Curso.
A pesquisa parte da pergunta central que orienta toda a investigação: de que modo o arcabouço normativo vigente incorpora, desloca, omite ou secundariza a questão racial na formação de bacharelas e bacharéis em Direito e, simultaneamente, em que medida e por quais estratégias instituições como a Faculdade de Direito do Recife e a Faculdade de Direito de São Paulo assumem ou negligenciam agendas político-pedagógicas voltadas à educação jurídica antirracista? A hipótese que sustenta essa problematização propõe que a agenda dos cursos de Direito tende a preservar a neutralidade racial como eixo organizador de sua concepção curricular e formativa. A tese defendida é a política educacional do ensino jurídico não reconhece a centralidade das relações étnico-raciais na formação em Direito. Essa omissão fomenta o racismo institucional, viola o direito à educação jurídica antirracista e impede o desenvolvimento de competências epistêmicas e ético-políticas essenciais à promoção da justiça sociorracial por futuras bacharelas e futuros bacharéis, formação estratégica e de impacto em toda a a sociedade. O objetivo geral consiste em compreender como políticas educacionais (formulação e implementação) estruturam a presença — ou a ausência — da temática racial no ensino jurídico brasileiro. A pesquisa é qualitativa e exploratória, adotando uma abordagem multimétodos composta por três eixos articulados. Como matriz teórica são utilizados estudos críticos da raça e epistemologias negras, sobretudo brasileiras. O primeiro é a escrevivência, que situa a pesquisadora como sujeito epistêmico e analítico cuja trajetória no ensino jurídico ilumina aspectos naturalizados ou invisibilizados pelas leituras tradicionais. O segundo é a análise histórica, que percorre a constituição da educação jurídica desde 1827 até o presente, examinando continuidades que vinculam o ensino jurídico à produção de elites e à manutenção de hierarquias raciais. O terceiro é a análise documental, aplicada tanto ao marco normativo educacional e quanto aos PPCs das faculdades selecionadas. Os resultados indicam que a política educacional do ensino jurídico, mesmo após a Constituição de 1988 e das diretrizes contemporâneas, não reconhece a centralidade das relações étnico-raciais para a formação de juristas. A análise comparada da duas mais antigas faculdades de Direito do país revela padrões institucionais de silenciamento, baixa densidade normativa e limitada incorporação da temática racial em seus projetos e currículos, apesar de sua relevância histórica e simbólica. Quatro achados adicionais relacionados às práticas avaliativas, tensões institucionais, mecanismos de racialização e modos de operação da neutralidade ampliam a compreensão da persistência dessas desigualdades e evidenciam a necessidade de revisão dos instrumentos de avaliação e regulação da educação superior em Direito. A conclusão geral do estudo afirma que compreender a formação jurídica a partir de lentes racialmente situadas é indispensável para tensionar a ficção da neutralidade que orienta o campo e para evidenciar como políticas educacionais, textos normativos e práticas institucionais podem operar, mesmo sem intenção declarada, como mecanismos de reprodução do racismo. Nesse sentido, a tese não busca solucionar o problema, mas contribuir para a construção de políticas educacionais que efetivem o direito à educação jurídica antirracista.