Inquéritos em disputa: uma análise das práticas policiais em investigações de mortes violentas de mulheres no Recife
mulheres, violência de gênero, feminicídio, práticas policiais, relações de poder, disputas narrativas, autos e atos.
A pesquisa desenvolvida nesta dissertação tem por objetivo analisar as práticas desenvolvidas pelos membros da Polícia Civil de Pernambuco nas investigações de mortes violentas de mulheres, atentando aos conflitos e relações de poder que informam a produção dos inquéritos policiais e oportunizam ou não a caracterização daqueles crimes como “feminicídios”. É uma pesquisa documental autoetnográfica, em que tomo por objeto autos de procedimentos policiais instaurados para apurar crimes violentos letais intencionais consumados contra mulheres no município do Recife, capital do estado de Pernambuco, no ano de 2019. São utilizados como referenciais teóricos, para o desenvolvimento da análise e conclusões da pesquisa, as bases conceituais da antropologia jurídica e dos estudos de gênero. Realizo avaliação crítica sobre as etapas constituintes da formação da figura jurídica feminicídio, intencionando demonstrar que as diversas disputas narrativas acontecidas neste trajeto impactam nas práticas policiais para o manejo da qualificadora da morte de mulher por razões da condição de sexo feminino. Apresento a minha principal ferramenta de pesquisa, o inquérito policial, reconhecendo que se trata de uma peça importante no processo de incriminação no Brasil e discuto sobre a sua constituição como materializador de diligências investigativas policiais, desvelando o seu emprego na fabulação de uma narrativa sobre aquelas mortes em linguagem apreensível pelo sistema penal. Parto da compreensão de que a existência singular daquele conjunto de documentos lança pistas capazes de demonstrar significados não só a partir do conteúdo que informam, mas igualmente nos processos que antecedem a sua produção e localização nos autos. Com este panorama em mente, cotejo as consequências e rearranjos que se perfazem a partir da existência dos documentos nos autos, notando a coprodução recíproca de gênero e Estado nas relações de poder ali implícitas – e até naturalizadas.