RAIZES DA MEMORIA: INFORMACAO, SABERES QUILOMBOLAS E SUSTENTABILIDADE
Epistemologias do Sul; Quilombolas; Memória coletiva; Práticas informacionais
Ao partimos do pressuposto de que os saberes e fazeres — especialmente o cuidado e o amor à Mãe Terra — de povos originários, como os quilombolas, transmitidos oralmente, constituem sistemas complexos de significação, orientação e pertencimento. Estes sistemas desafiam paradigmas modernos e técnico-documentais que, historicamente e epistemologicamente, orientaram áreas do saber, como a Ciência da Informação. A oralidade, nesse contexto, não é compreendida como mera ausência de escrita, mas como tecnologia simbólica capaz de transmitir e preservar a vida coletiva, conformando um regime informacional denso, no qual narrativa, gesto, rito, silêncio e cotidiano operam como vetores epistemológicos. Neste estudo buscamos articular referências provenientes das epistemologias locais do Sul Global. Para tanto, elegemos como locus de pesquisa a comunidade remanescente quilombola do Castainho, localizada no município de Garanhuns (PE), em virtude de sua relevância histórico-regional e de seu papel fundamental na preservação da memória coletiva. A construção teórico-metodológica apoia-se na perspectiva rizomática de Deleuze e Guattari, com o intuito de compreender como saberes ancestrais se configuram como práticas informacionais sustentáveis, em constante relação com os territórios, a ancestralidade e os processos de resistência. A escolha do objeto de pesquisa está ancorada em uma inquietação pessoal, fomentada por vivências afetivas e experiências no meio rural, que despertaram meu interesse por práticas tradicionais de cuidado com a terra e por saberes comunitários. Minha trajetória acadêmica demonstra um percurso contínuo de diálogo com questões vinculadas à sustentabilidade, à justiça ambiental e à informação, consolidando-se no encontro com a proposta do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFPE. O objetivo geral deste projeto/tese é investigar as práticas informacionais da Comunidade Quilombola do Castainho, com ênfase nos processos de construção da memória, nas dinâmicas da oralidade e nas expressões culturais, à luz de uma abordagem contracolonial que reconhece saberes ancestrais como formas legítimas de produção e preservação do conhecimento. Especificamente, pretendemos: 1) Compreender como a oralidade e a memória coletiva operam como tecnologias sociais e de resistência, configurando-se como instrumentos de preservação e fortalecimento identitário. 2) Analisar as práticas culturais do Quilombo do Castainho como formas de organização, transmissão e compartilhamento de saberes. 3) Identificar mecanismos de resistência e de descolonização presentes nas práticas informacionais da comunidade. 4) Refletir sobre os impactos das epistemologias ocidentais na invisibilização dos modos de saber e informar quilombolas. 5) Propor estratégias que valorizem e fortaleçam os processos informacionais autóctones da comunidade, contribuindo para sua autonomia cultural e epistêmica. A natureza metodológica desta pesquisa está configurada como qualitativa, exploratória e interpretativa. Onde a coleta de dados ocorrerá por meio de questionário semiestruturado, aplicado em duas etapas, com base no critério de saturação teórica. A análise será orientada pela técnica de análise de conteúdo de Bardin (2011), tensionada por uma leitura rizomática, capaz de captar as multiplicidades, conexões não lineares e transversalidades dos saberes quilombolas. Ao respeitar a complexidade simbólica, afetiva e territorial dessas práticas, esta pesquisa pretende dar visibilidade às práticas informacionais quilombolas, contribuindo para o alargamento epistemológico da Ciência da Informação, por meio da crítica aos modelos universalizantes e da afirmação da legitimidade de outras racionalidades. O propósito não é apenas extrair conhecimentos, mas construir sentidos em diálogo, reconhecendo os sujeitos comunitários como detentores de saberes potentes e transformadores. Assim, o trabalho inscreve-se no esforço de contracolonização do saber e na construção de uma ciência mais plural, sustentável e comprometida com a justiça cognitiva.