TORTO ARADO E CHANGÓ EL GRAN PUTAS: NARRATIVAS DE PERTENCIMENTO NO CENÁRIO LITERÁRIO AFROLATINO-AMERICANO
Pertencimento; decolonialidade; literatura afro-latina; Torto arado; Changó el gran Putas.
O presente trabalho analisa as obras literárias afro-latinas Torto arado (VIEIRA JUNIOR, 2019) e Changó, el gran putas (ZAPATA, 2023), visando observar representações de pertencimentos. Em “Pertencimento: uma cultura do lugar”, bell hooks (2022) discute a noção de pertença e afirma que esta desempenha um papel essencial na construção da identidade, sendo a conexão com a comunidade, a terra e os elementos culturais fatores fundamentais que definem o lugar do ser, do existir e do resistir e que são atrelados aos povos da diáspora negra (HALL, 2009; GILROY, 2011) nas Américas. Nesse contexto, as produções de saberes e práticas de resistência compreendidas como decoloniais (MIGNOLO, 2005; BERNARDINO COSTA & GROSFOGUEL, 2016), tal como se pode observar nas obras analisadas, está atrelada à luta por pertencer à terra chamada América na sua dimensão negra continental diaspórica, reverberada ainda hoje nas lutas pelo direito à terra em sua dimensão local, seja através desse enfrentamento, seja pelo reconhecimento dos territórios, tanto materiais quanto simbólicos (PORTO-GONÇALVES, 2010; HAESBAERT, 2021). Assim, a presente tese é guiada pela leitura comparativa das obras à luz da Poética da Relação (GLISSANT, 2011), o que contribui para pensar como essas narrativas constroem representações de luta pelo pertencimento de maneira múltipla e relacional, desafiando as diferentes formas de negar o direito de pertencer. Nesse sentido, verifica-se como a terra e o território surgem enquanto temas centrais nas narrativas, cuja relação com o espaço transcende o aspecto material e conecta-se profundamente com a identidade e a ancestralidade. Percebe-se ainda que essa conexão se manifesta tanto por meio de elementos religiosos e espirituais, que simbolizam força, poder e resistência, quanto pelas memórias reconhecidas em dimensões individuais e coletivas. Tais dimensões são entrelaçadas à oralidade e aos signos mnemônicos transatlânticos, criando uma relação que liga os personagens a uma esfera mística e histórica, promovendo um senso de luta, resiliência e continuidade entre gerações. Desse modo, a noção de pertencimento, observada nas duas obras, está intimamente correlacionada aos saberes que emergem das partilhas do sensível (RANCIÈRE, 2005), os quais possibilitam uma reflexão crítica acerca do "senso comum" forjado sob a força da colonialidade (QUIJANO, 2000). Esse processo de questionamento abre caminho para novas formas de imaginar o mundo, ao mesmo tempo em que viabiliza a reconstrução e a ressignificação de imaginários de pertencimentos para os povos da diáspora negra nas Américas, desafiando as estruturas de poder que ainda perpetuam as lógicas coloniais.