O eu e o outro: interlocuções e escritas de si na obra de Stella do Patrocínio e Maura Lopes Cançado
Escritas de si; Escritas autobiográficas; Poética da clausura; Poética asilar; o papel da crítica literária; Stella do Patrocínio; Maura Lopes Cançado
Esta tese problematiza uma “poética da clausura” ao selecionar como corpus a obra de Stella do Patrocínio (1941-1992) e de Maura Lopes Cançado (1929-1993), duas autoras que, em momentos distintos - mas próximos - viveram em condição asilar em instituições psiquiátricas do Rio de Janeiro; e ali produziram seus escritos aos quais, hoje, temos acesso. Pensar a obra dessas duas mulheres é, de certo modo, adentrar em um terreno movediço e escorregadio quanto às noções teóricas e determinadas classificações, e escrever sobre seus escritos é ser constantemente confrontada com o dilema das escolhas. Afinal, devemos ler o falatório de Stella e os diários de Maura como uma composição estética ou como o testemunho de um estado de violência extrema? Como equilibrar o teor híbrido de um gênero? O próprio desenvolvimento de uma tese em Teoria da Literatura já aponta para uma apreciação estética de obras que podem ser desdobradas e lidas a partir, também, de variados campos teóricos como história e sociologia. Ao contrapormos a biografia de Stella do Patrocínio com a de Maura Lopes Cançado, por sua vez, observamos que o recorte social e de raça marca uma diferenciação de tratamento - bem como na própria recepção de suas obras - entre essas duas mulheres que tiveram suas existências atreladas a internamentos em instituições psiquiátricas. Tanto Maura quanto Stella, pois, em decorrência da condição asilar em que ambas produziram suas narrativas, são vistas, por vezes, enquanto produtos ou “descobertas” de um olhar legitimador que vem de fora e as revela para o mundo. No caso de Maura, esse processo de legitimação acontece a partir do círculo social que a própria autora frequentava, composto por homens intelectuais que faziam o suplemento literário da cidade; e no caso de Stella, são as intervenções artísticas a partir dos ateliês que ocorreram na Colônia Juliano Moreira ao final da década de 1980 e, posteriormente, a pesquisa realizada por Viviane Mosé que dá início à transposição do falatório para o registro escrito poético. Realizar uma leitura crítica das obras de Stella e de Maura é, portanto, dialogar com as tensões de uma literatura feita por mulheres em condições adversas e, por isso, adentrar em territórios sombrios, violentos, de dor e da degradação humana. É, em contrapartida, falar do que se tentou calar, docilizar e domesticar: uma poética da resistência. Trata-se de um campo nebuloso e escorregadio do ponto de vista estético, ético e teórico.