VIAGEM AO CENTRO DE UMA AUSÊNCIA: testemunho e política da memória em Bernardo Kucinski
Bernardo Kucinski. K.: relato de uma busca. Os visitantes.
Historiografia. Memória. Testimonio latino-americano.
A presente pesquisa analisa dois romances de Bernardo Kucinski, K.: relato de
uma busca (2016 [2011]) e Os visitantes (2016), a fim de refletir sobre o modo
como estes tematizam a ditadura civil-militar brasileira. Este estudo considera a
condição testemunhal que as obras experimentam acerca do período em
questão e se aprofunda ao permitir pensar acerca da permeabilidade entre
campos do conhecimento e gêneros narrativos que outrora foram tomados
como divergentes, tais como história e literatura (fato e ficção), testemunho e
romance (Benjamin, 2020; Chartier, 2022; Costa Lima, 2018, 1980; Jablonka,
2020, 2017; Lejeune, 2008). Para isso, refletimos a respeito das diferentes
compreensões acerca do campo da história (Reis, 1996) e de sua relação com
a escrita literária, em especial a romanesca (Rancière, 2021, 2016, 2005), bem
como a contribuição do texto literário para a construção de uma contra-
memória não oficial acerca da ditadura civil-militar brasileira (Assmann, 2011;
Jelin, 2002). Dessa forma, levamos em consideração as contribuições dos
estudos em torno do testemunho da Shoah, sobretudo porque a primeira das
obras em estudo estabelece uma ponte entre o extermínio nazista e a
repressão ditatorial no Brasil. Entretanto, pensamos as narrativas em questão
para além da noção de escrita do trauma, sustentada pela necessidade
pessoal de testemunhar e pelo compromisso com as vítimas por excelência,
aquelas que não sobreviveram para narrar. No que diz respeito ao teor
testemunhal das obras, portanto, dedicamo-nos a pensar o entrecruzamento
entre estética e política (traduzido no compromisso político com a manutenção
da memória), por meio da teorização referente ao testimonio latino-americano
(Albornoz, 2012; Alonso, 2017; Beverly, 2010; Beverly, Achúgar, 2002; García,
2003; Jara, Vidal, 1986).