Nos sertões das rainhas Jingas:
Guerra, soberania e comércio no interior angolano (1744-1839)
Jinga; tráfico de escravizados; Angola
Este trabalho analisa as ações do povo e das chefias do reino jinga do Ndongo e da Matamba no vale do rio Kwango, região de concentração dos grandes mercados de escravos no interior angolano. Após a morte da famosa rainha Njinga Mbandi, no século XVII, seu território e seu povo passaram a ser referenciados nas fontes portuguesas como "reino de Jinga", "Estados da Jinga" ou "jingas". Do século XVII ao XIX, os soberanos jingas, em sua maioria mulheres, lutaram e prejudicaram os portugueses na vizinhança de seu principal enclave político e comercial no sertão, o presídio de Ambaca. Neste trabalho, investigaremos o papel desempenhado pelo reino jinga do Ndongo e da Matamba na geopolítica e no comércio dos sertões e destacaremos a resistência desse estado em meio às disputas internas e ao aumento da escravização para o tráfico atlântico. O recorte adotado vai desde 1744, quando o reino luso decretou guerra a rainha jinga D. Ana II, até 1839, período de uma nova batalha, que culminou com a fundação do presídio de Duque de Bragança nas terras jingas. A partir do diálogo com a historiografia e com as fontes do Arquivo Histórico Ultramarino, do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, destacaremos as estratégias de resistência e soberania desse povo originado nas lutas de Njinga, a atuação de seu concorrente e rival, o reino de Cassanje, e uma gama de outras populações aliadas dos jingas na política e no comércio. Os vários embates entre os jingas e o poder em Luanda nos permitem destacar a fragilidade lusitana naqueles sertões, apontando como as vitórias lusas nas guerras e os acordos de paz assinados eram efêmeros frente a uma resistência duradoura das diversas jingas ao longo do tempo. Ao mesmo tempo, aqueles sertões fortemente influenciados pela política soberana do reino de Jinga pode ter sido cenário e origem de grande parte das vítimas do tráfico transatlântico embarcadas na África Centro-Ocidental. Por fim, a despeito do discurso colonial português, os jingas não foram vencidos.