Peixes sentinela Eugerres brasilianus e Danio rerio para avaliação da toxicidade crônica do derrame de óleo em manguezais e rios do litoral pernambucano
Derrame de óleo. Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos. Intemperismo. Radiação ultravioleta. Biomarcadores. Fases iniciais de vida.
A costa brasileira foi afetada por um derramamento de óleo que causou impactos nos ecossistemas aquáticos costeiros entre 2019 e 2020. A toxicidade, baseada em parâmetros de desenvolvimento, morfológicos, bioquímicos e comportamentais, foi medida em laboratório em estágios embriolarvais de Danio rerio expostos a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) presentes em frações acomodadas em água (FAAs) de amostras do óleo que atingiu a costa. Também foram avaliados em campo biomarcadores de exposição, bioquímicos e de genotoxicidade na carapeba Eugerres brasilianus residente em 3 estuários impactados pelo derrame de óleo. Uma primeira abordagem em laboratório avaliou a toxicidade em D. rerio expostos a FAAs decorrentes do óleo que atingiu a costa em três níveis de intemperismo natural, óleo emulsificado submerso semelhante a “mousse” (FAA-OM) da Praia do Paiva, e duas amostras após 51 dias de intemperismo adicional depositados na areia da Praia da Ponta do Xaréu (FAA-OS) e aderidos a rochas (FAA-OR). A análise da composição de HPAs das FAAs indicou uma tendência clara de diminuição de naftalenos parentais e alquilados e aumento de fenantrenos comparando FAA-OM menos intemperizado e FAA-OS e FAA-OR mais intemperizados. A exposição a FAA-OS e FAA-OR mais intemperizadas foram indutores mais potentes de atraso no desenvolvimento do zebrafish, sugerindo que fenantrenos parentais e alquilados são relevantes para este atraso. No entanto, a exposição a FAA-OM menos intemperizada foi um indutor mais potente de falha no enchimento da bexiga natatória do que a FAA-OS e FAA-OR mais intemperizados, sugerindo que naftalenos parentais e alquilados são relevantes como causa desta falha. Diminuições nas frequências cardíacas e aumento nas deformidades cardíacas e esqueléticas foram observados em larvas expostas a todas FAAs. As menores concentrações de efeito observadas (CEO) para diferentes parâmetros de toxicidade de desenvolvimento estão dentro das concentrações de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos ambientalmente relevantes e espécies locais podem ter sido afetadas. Uma segunda abordagem em laboratório abordou potenciais mecanismos de expressão gênica cruciais para o desenvolvimento da bexiga natatória afetados pela exposição das fases embriolarvais de Danio rerio a FAA-OM. A exposição a concentrações de 4,49 e 17,9 μg-ΣHPAt L-1 resultou na diminuição em 48 horas após a fertilização (hpf) da expressão dos genes responsáveis pelo desenvolvimento do tecido do epitélio (hb9 e sox2), mesênquima (has2), mesotélio (elovl1a) da bexiga natatória, e pelo comportamento de “swim-up” quando a larva enche a bexiga inicialmente abocanhando ar (sox2). Essa diminuição da expressão destes genes correlacionou-se com alta frequência de bexigas natatórias não infladas em 96 e 168 hpf, chegando a 100% em larvas expostas a concentrações mais altas (35,9 e 71,8 μg-ΣHPAt L-1). Os níveis de enzimas antioxidantes SOD e CAT foram inibidos, enquanto GST e GSH aumentaram nas larvas expostas. A velocidade e distância média de natação também foram reduzidas em larvas expostas à menor concentração testada. Os resultados sugerem que a FAA-OM pode inibir a transcrição de genes envolvidos no desenvolvimento da bexiga natatória e no comportamento de natação adequado, impactando potencialmente a viabilidade e o sucesso das larvas em desenvolvimento e, consequentemente, o recrutamento de peixes. Uma terceira abordagem em laboratório avaliou o efeito na toxicidade para as fases iniciais de vida do Danio rerio após exposição a combinação da radiação ultra-violeta (UV) natural solar que é intensa na região equatorial onde ocorreu o derrame de óleo, em conjunto com os HPAs presentes na FAA-OM. A radiação UV da luz solar aumentou o potencial tóxico da exposição a FAA-OM, sendo que a concentração letal para 20% dos organismos expostos (LC20) diminuiu de 29,11 μg-ΣHPAt L-1 na ausência de radiação UV (FAAOM) para 8,42 μg-ΣHPAt L-1 na exposição combinada (FAA-OM-UV). A exposição combinada à FAA-OM-UV também aumentou a toxicidade baseada em efeitos subletais, reduzindo a CEO, expressos por atrasos no desenvolvimento embriolarval, pelo aumento da frequência de patologias e deformidades, pela diminuição do comprimento total e da área ocular. Os parâmetros bioquímicos indicaram indução de estresse oxidativo, possivelmente correlacionado com o aumento na frequência de patologias e atraso no desenvolvimento dos peixes. Na abordagem de campo focada em juvenis da espécie Eugerres brasilianus coletados em 3 complexos estuarinos impactados pelo derrame de óleo dois anos após o pico do acidente, foram observados diferentes padrões de exposição a HPAs provenientes do óleo avaliada com base nos HPAs biliares, e de alterações biológicas com base em biomarcadores bioquímicos e de genotoxicidade. EROD e GST, relacionados à biotransformação de fase 1 e 2, respectivamente, apresentaram maior atividade em peixes do estuário de Barra de Catuama (BCEC), onde foi verificada menor bioconcentração de HPAs biliares. Por outro lado, EROD e GST apresentaram menor atividade em peixes dos estuários de Suape (SEC) e Rio Formoso (FRES), onde foi verificada maior bioconcentração de HPAs biliares. Foi verificada uma maior similaridade de efeitos nos peixes de FRES e SEC. A enzima SOD, importante na defesa antioxidante, mostrou-se inversamente proporcional às alterações nucleares, sugerindo que tais alterações podem estar relacionadas à inibição dessa enzima.