Construindo sentidos sobre HIV/Aids e saúde através do cinema brasileiro: “infecções em ficções”
HIV. Aids. Cinema. Processo saúde-doença.
As transformações científicas e sociais nas últimas décadas levaram o HIV/Aids a um cenário diferente do seu surgimento no início dos anos de 1980 no Brasil. De uma infecção desconhecida e incontrolável, que resultou em inúmeras mortes, o fenômeno hoje tem uma resposta efetiva no campo biomédico e uma extensa mobilização política e social, permitindo não apenas a manutenção da vida das pessoas que vivem com HIV/Aids (PVAH), mas a prevenção de toda uma sociedade. Essas mudanças conferem ao fenômeno a condição de “dispositivo”, onde a questão não se encerra no componente biológico, já que se criam formas de vida e maneiras de se falar, reproduzir e lidar com o HIV/Aids, em que operam saberes e poderes específicos. Tais manifestações são traduzidas na linguagem e na cultura de diversas maneiras e com diferentes propósitos, a partir de artifícios como a imagem e o som, seja para contar histórias envolventes, elaborar os acontecimentos, instruir o público, reforçar narrativas hegemônicas ou mesmo subvertê-las. A arte cinematográfica é uma das expressões onde as histórias sobre o HIV/Aids circulam e impactam o espectador, corroborando nas representações sobre a saúde e a doença. Desse modo, o presente estudo, no campo das Ciências Sociais e Humanas em Saúde, teve por objetivo a aproximação com uma ficção do audiovisual brasileiro para a prática de construção de sentidos acerca da saúde e do HIV/Aids. O filme escolhido foi “Os Primeiros Soldados” (2021), cuja narrativa trata da chegada do HIV/Aids na cidade de Vitória, no Espírito Santo, afetando a vida de três personagens, que agenciam a situação frente ao desconhecido. A partir da análise do conteúdo fílmico, foi possível identificar as representações do HIV/Aids no filme, que ambienta o cenário de surgimento da epidemia nos anos de 1980, possibilitando contrastes com a realidade contemporânea. O filme aborda ainda a coexistência entre as vivências de estigma e as práticas de resistência e solidariedade, fenômenos que compõem a trajetória do HIV/Aids e das populações vulneráveis de maneira concomitante. O uso e atributo das imagens no contexto de divulgação dos fenômenos relacionados à ciência e saúde é outro ponto enfatizado na obra fílmica, que ressalta a comunicação audiovisual como estratégica e aliada. Por fim, os resultados apontam uma obra com foco nos processos psicossociais, como os fatores emocionais e relacionais, que influenciam diretamente na vivência de adoecimento dos personagens. A aproximação desse estudo no campo da Saúde Coletiva com as práticas culturais chama atenção de outros possíveis caminhos e respostas que ampliam o conhecimento sobre o HIV/Aids e a saúde de maneira geral, superando o paradigma biomédico e complementando o saber científico, bem como instiga para outras formas de se falar desses fenômenos na produção artística e cultural do cotidiano.