EFEITOS DA DIPIRONA E DO PARACETAMOL SOBRE O DUCTO ARTERIOSO FETAL NO TERCEIRO TRIMESTRE: ESTUDO DE COORTE PROSPECTIVO
Ducto arterioso fetal; dipirona; paracetamol; constrição ductal; ecocardiografia fetal; gestação; automedicação.
Introdução: O ducto arterioso fetal (DA) é uma estrutura vital para a circulação intrauterina, permitindo o desvio do fluxo sanguíneo pulmonar para a aorta. Sua constrição prematura pode desencadear sobrecarga do ventrículo direito, disfunção cardíaca e hipertensão pulmonar neonatal. Apesar de relatos sugerirem associação entre dipirona e paracetamol com constrição ductal, faltam estudos prospectivos e comparativos avaliando esses fármacos na mesma amostra. Este estudo teve como objetivo analisar os efeitos da dipirona e do paracetamol sobre o DA fetal, bem como a repercussão hemodinâmica pulmonar.
Métodos: Realizou-se uma coorte prospectiva com 67 gestantes de baixo risco, divididas em três grupos: dipirona (n=27), paracetamol (n=20) e controles (n=20). A idade gestacional mediana foi de 29 semanas. Exposição recente foi definida como uso do analgésico nas últimas 72 horas. O ecocardiograma fetal foi realizado no momento da exposição (T1) e repetido após 5–7 dias sem uso da medicação (T2). Foram avaliados parâmetros do DA (velocidade sistólica [VelS], velocidade diastólica [VelD] e índice de pulsatilidade [IP]), estimativa indireta da pressão média da artéria pulmonar (PMAP) e da maturidade vascular pulmonar (tempo de aceleração/ejeção no tronco da artéria pulmonar [TA/TE]). A constrição ductal foi graduada segundo critérios multiparamétricos de diretriz de cardiologia fetal. Os dados foram submetidos à ANOVA , risco relativo com intervalo de confiança de 95% (RR;IC95%) e regressão logística.
Resultados: Foram identificados 18 casos (38%) de constrição ductal entre as gestantes expostas. As queixas mais frequentes que motivaram o uso dos analgésicos foram cefaleia e lombalgia. No grupo dipirona, 15 fetos (55,6%) apresentaram constrição, sendo 8 leves e 7 moderadas. Observou-se redução significativa das velocidades ductais de T1 para T2 (VelS: 1,26±0,48 para 1,03±0,39 m/s; p=0,038 e VelD: 0,29±0,24 para 0,18±0,17 m/s; p=0,045, respectivamente) e aumento do IP (1,86±0,43 para 2,28±0,41, respectivamente; p<0,001). O RR de constrição foi 2,25 (IC95%: 1,48–3,43; p=0,0002), mais elevado em doses ≥1g (RR=3,06; IC95%: 1,45–6,45; p=0,0003). No grupo paracetamol, 3 fetos (15,0%) apresentaram constrição leve, com discreto aumento do IP em T1 em relação a T2 (2,11±0,43 para 2,29±0,28 m/s, p=0,040). Não houve alteração significativa nos parâmetros pulmonares (PMAP e TA/TE; p>0,05). Entre os 18 casos de constrição, 14 (77,8%) apresentaram resolução completa após suspensão da medicação, e 4 (22,2%) persistiram com constrição atenuada no T2. Na análise multivariada, o uso de dipirona em doses ≥1 g (OR: 10,3; p = 0,010) e a exposição nas 48 horas anteriores ao exame (OR: 8,2; p = 0,021) permaneceram como preditores independentes de constrição ductal fetal.
Conclusão: A dipirona no terceiro trimestre esteve associada à constrição ductal fetal, sobretudo em doses ≥1 g e quando utilizada nas 48 horas que antecederam o exame, com reversibilidade na maioria dos casos após a suspensão. O paracetamol esteve relacionado apenas a poucos casos leves, sem repercussão estatisticamente significativa nos parâmetros hemodinâmicos avaliados. Esses achados reforçam que o risco da dipirona é dependente da dose e do tempo de exposição, ressaltando a necessidade de cautela no uso de analgésicos na gestação tardia e o papel do ecocardiograma fetal como ferramenta de monitorização das gestantes expostas. Não foram observadas alterações consistentes nos índices ecocardiográficos de hipertensão pulmonar fetal.
Palavras-chave: ducto arterioso fetal; dipirona; paracetamol; constrição ductal; ecocardiografia fetal; gestação; automedicação.